29 de janeiro de 2013

28 de janeiro de 2013

... e se tem de ser, vamos lá a isso

 
[CHBA, 10:00]

27 de janeiro de 2013

É pouca, mas de boa vontade

[A ver se ela se fica: açorda de ameijoa (do Alvor) com pão velho (de São Marcos) e azeite novo (de Monchique), aquecida ao lume da lenha do campo que vai dar à praia, fiufiu...]

25 de janeiro de 2013

Breve interlúdio musical




Porque a Net fornece um novo dia


 
[querem ver...]

Às vezes, lá calha...


Nem sempre a lápis (343)

até Jajouka
(2006)
 
3(...) Não escrevo e não me parece que venha a escrever num moleskine. Sinto-me tão saturado com a necessidade de se sublinhar que se escreveu, o que se lê, no que não passa de um simples bloco – com história, eu sei, com demasiada história – que, além da censura do preço, também a bravata exibicionista acabou por me inibir o (possível) prazer de gatafunhar num moleskine. (...) Gosto do texto limpo, de perceber o que escrevi quando me leio. (...) Mas, se os processadores de texto resolveram o dilema de decifrar a minha caligrafia (...) assim que deixei de malhar na velha Hermes 2000 passei a desconfiar das mudanças que George Steiner textualmente me confirma: «A computação, a teoria da informação e o acesso à mesma, a ubiquidade da Internet e da rede global envolvem muito mais do que uma revolução tecnológica. Implicam transformações de consciência, de hábitos de percepção e de expressão, de sensibilidade recíproca, que mal começámos a avaliar. […] O software tornar-se-á, por assim dizer, interiorizado, e a consciência poderá ter de desenvolver uma segunda pele.»
(...) Devo ainda dizer que não escrevo numa pensão perdida no Rif, num quarto com açoteia para estender uma esteira e vista para a praça de Asilah. (...) Na realidade, comecei a escrever há dois ou três dias no Monte Alto, e agora encontro-me sentado à velha mesa de pedra do quintal da casa onde nasci, de costas para o barracão, onde se cozia o pão e o meu pai organizava monumentais patuscadas com os companheiros de caça. (...) foi aqui, na chamada casa do forno, que comecei a escrever e a pintar. Era o meu refúgio de adolescente – a minha Patagónia, de que desconhecia a existência quanto mais a pretensão metafórica – (...) Foi também aqui, em finais de Outubro de 1969, que recebemos o Zeca Afonso chegado ao lusco-fusco de um dia de feira, como um proscrito. Recordo que ouvimos, e se gravou num doméstico gravador de bobine, a maior parte dos temas que viriam a compor os Cantares de Andarilho, enquanto os frangos e ovos caídos dos aviários da zona eram cozinhados e regados com vinho novo na lareira, onde mal nos conseguíamos movimentar. No final, discretamente entregámos-lhe um envelope com a colecta feita entre as dezenas de convidados e amigos dos convidados que foram aparecendo. Mas o melhor viria no dia seguinte, quando soubemos que a GNR tinha passado o serão muito sossegadinha encostada ao muro do quintal, também a ouvir o Zeca a cantar Os Vampiros, acompanhado à viola pelo Rui Pato.
(...) Esta noite dormi com a janela aberta num quarto cheio de brinquedos. Num quarto semelhante àquele onde escrevi um dos meus mais difíceis regressos de Tânger, no Natal de 1974 [cf. Fruta da Época, frenesi 2001], espiado pela minha sobrinha, que não entendia o egoísmo do meu ensimesmamento paranóico e a minha indiferença aos seus desafios para brincar. (...) Entretanto, apanho-me a considerar se esta estadia em Mortágua – que se espreguiça há quase oito dias, a pretexto de coisas tão insignificantes e irrecusáveis como uma matança de porco numa aldeia da serra; uma ida a Salgueirais, à terra do meu pai, para lhe alimentar a saudade de ir buscar queijo e encher garrafões de água, a uma centena de quilómetros –, se esta demora não será uma espécie de teste. Decorridos três anos sem sair do Monte Alto, inconscientemente não estarei a aproveitar a oportunidade da vinda a Mortágua, com o argumento de treinar a ida até Jajouka? (...) passei uma manhã em Salgueirais, a fotografar cães vadios e escadas para o passado, sugeridas por Sebald.
«Partilhávamos tacitamente a ideia de que, em parte, aprendemos ou procuramos aprender a viver nos livros. A aprendizagem começa quando se olha para o primeiro abecedário ilustrado e só acaba no dia em que morremos.» (...) na noite anterior, antes de adormecer, John Berger já tinha sugerido: «Se tiveres de chorar, e às vezes não se pode evitar, se tiveres de chorar, chora depois, nunca durante. Nunca te esqueças. A menos que estejas com quem gosta de ti, só com quem gosta de ti e, nesse caso, já és um felizardo, porque nunca há muitas pessoas que gostem de nós. Se estás com elas, podes chorar. Se não, chora depois.»

Papiro do dia (285)

«Por la tarde, mientras tomamos una copa de despedida en la estación de St. Gallen, empieza a hablar de la vejez:
- Sólo un porcentaje de personas curiosamente pequeño sabe disfrutar de la vejez, cuando puede ser tan satisfactoria. Se ha comprobado que el mundo aspira a volver siempre a las cosas sencillas, elementales. Por sano instinto, uno se resiste a que lo excepcional, lo extraño se haga dominante. La inquieta codicia hacia el otro sexo se ha extinguido, y ya sólo se aspira al consuelo de la naturaleza y a las cosas concretas y hermosas que están al alcance de todo el que las anhela. Por fin ha desaparecido la vanidade, y uno se solaza en la gran calma de la vejez igual que bajo un suave sol.
Por la mañana, mientras vamos hacia St. Gallen a ritmo rápido pasando por delante del cuartel, en la parte vieja de Herisau, abandonamos la inquietante actualidad de la guerra para hablar del pueblo. Yo le digo:
- En realidad el pueblo no quiere gobernar por sí mismo. Quiere ser gobernado.
Robert asiente vivamente:
- Incluso tiene una actitud benévola hacia la tiranía - pero enseguida añade -: Sólo no se le puede decir. De lo contrario se ofende y uno pasa por grosero. Pero en el fondo se desea mucha menos libertad de lo que se dice.»
[Carl Seelig, Paseos con Robert Walser (e 6 fotos); trad. Carlos Fortea, Siruela, 3.ª ed. Setembro 2009]

23 de janeiro de 2013

22 de janeiro de 2013

Até à (redundância)


[redundância: se são livros de autor é independente]

20 de janeiro de 2013

Breve interlúdio musical




Porque a Net fornece um novo dia

Às vezes, lá calha...

«De preferência confidenciavam um ao outro antigos prazeres e um, pelo que ouvia do outro, convencia-se da sua própria inferioridade.»
(Elio Vittorini)

Nem sempre a lápis (342)

até Jajouka
(2006)

2. Comecei a preparar esta vagabundice – soaria mais literário chamar-lhe desaparecimento, mas eu acho feio forçar a nota –, enquanto traduzia Doutor Pasavento. (...) Quando abri o Google a minha ideia resumia-se a confirmar a localização da aldeia do sudoeste do Rif, mas que já não faz parte do Pays Jebala. (...) Jajouka entrou para o imaginário de sucessivas e cada vez mais incansáveis gerações de papa-léguas, a partir do longínquo dia em que Brion Gysin teve a peregrina ideia de contar a Paul Bowles (ou terá sido o contrário?) a existência de uma tribo sufi, que, por sua vez, a transmitiu a William Burroughs. Como o exótico achado terá chegado ao conhecimento dos Rolling Stones já faz parte da lenda. Lenda que se tornaria ainda mais lendária com a morte de Brian Jones, e se manifesta irrequieta em relação à data da gravação do célebre disco The Master Musician of Jajouka, saltitando como um dervixe rodopiante entre o ano de 1968 e 1971, se também eu não estou em erro e a contribuir, involuntariamente, com mais uma data.
A primeira vez que ouvi Apocalypse across the sky foi em finais de Setembro de 1971, copiado para uma K7 que o Sony M 1001, curricularmente guardado aqui na gaveta, reproduziu até mastigar incontáveis cópias que acabariam por lhe derreter, irrecuperavelmente, as cabeças. Durante anos, pensei ou, se calhar, fui acabando por decidir que Jajouka era o nome do grupo musical, nunca me ocorrendo que pudesse ser o nome de uma aldeia, onde uma irmandade sufí viveria da catarse polifónica ministrada aos sábados de manhã aos doentes mentais. Ou melhor, aos possuídos das redondezas.
Hoje, a única cópia que tenho é um insípido CD, onde consta que esta gravação foi feita in situ, entre 8 e 10 de Novembro de 1991, gravada com um Akay A*DAM Digital de doze pistas. Um som muito distante, portanto, da que terá sido a gravação reveladora de Brion Gysin, em 1958, sendo admissível que a tenha feito com o Martel portátil que usava habitualmente, e também terá utilizado para «gravar cerca de metade dos temas» do disco Jilala. A outra metade desse disco – interpretado por «dervixes do Gharb, que então viviam nos arredores de Tânger» – foi gravada por Paul Bowles com um Uher, cabendo a produção a Ira Cohen que acabaria por editá-lo na sua Trance Records (NY, 1996).
Rebobinadas as memórias discográficas (...) o resto entrou necessária e forçosamente na lenda que a cada um mais lhe convém – a minha consiste em ir até Jajouka e, já agora, no Land-Rover – (...) tudo quanto sei à partida para Jajouka, é que ficará a cerca de vinte quilómetros depois de Ksar-el-Kebir, em direcção a Chefchaouen, seguindo a estrada secundária S 603, que deverei abandonar num imperceptível cruzamento em Tatoft, para percorrer a meia dúzia de quilómetros finais por caminhos de cabra, por caminhos de Land-Rover. (...) reservei o final de Maio a entediar-me com pesquisas furtivas no Google, onde o que mais aprecio são os diários, cadernos de viagem ou blogues de malta que já foi a Jajouka, ou foi a Marrocos, entre outros motivos, «depois de ler El Pan Desnudo» ou com o livro do malogrado Mohamed Choukri no bolso, por exemplo. (...) para muitos escritores a Patagónia é a metáfora do fim do mundo. E Jajouka, será a minha metáfora do fim do mundo? Não sei, mas sei que o Monte Alto é, com toda a certeza, a antecâmara de qualquer metáfora do meu suposto desaparecimento. Aliás, já não estou. No Monte Alto desejei, e julgo ter aprendido a sentir-me saudavelmente à parte, a viver definitiva e irremediavelmente longe do mundo.

Papiro do dia (284)

«“Mais um dia perdido”, pensou Adolfo ao ouvir tocar a campainha estridente e aguda para a assinatura de Sua Excelência. E lembrou-se do assobio do vento na avenida, entre as árvores despidas, do ruído da água na retrete, do campainhar argentino e monótono dos eléctricos, como de uma ininterrupta chamada de emoções sempre queridas ao seu ouvido. Ao toque melancólico da campainha o salãozinho do cavaleiro conselheiro ressoou de lamentos. Era tempo de abandoná-lo também, talvez para sempre; algo tinha acontecido que confundia qualquer ideia de retorno e qualquer pensamento de tentativa de conquista da dona de um livro esquecido. E Adolfo saiu para o corredor sob a luz metálica e transoceânica das lâmpadas eléctricas.
A campainha ressoava, sem conseguir cansar-se, definindo-se por momentos em evocações gigantescas, como o apitar de uma sereia. Dois ou três contínuos, vagarosos, gritavam aqui e ali, de qualquer ponto particularmente estratégico, um som ininteligível e gutural que só os empregados podiam entender: “Assinatura, assinatura.” E parecia que gritavam o término de uma viagem. »
[Elio Vittorini, Pequenos Burgueses; trad. Maria Manuela Gonçalves, Os Livros das Três Abelhas, Julho 1962;
gare]

18 de janeiro de 2013

Contra indicações


15 de janeiro de 2013

Gatos pingados




5 de janeiro de 2013

Breve interlúdio musical




Porque a Net fornece um novo dia

Às vezes, lá calha...

«Gosto daqueles que aceitam o niilismo como uma condição e vivem com essa condição. São os niilistas intelectuais que não suporto. Prefiro o género que vive com os seus fantasmas. Os niilistas naturais.»
(Saul Bellow)

Nem sempre a lápis (341)

até Jajouka
(2006)

1. Não vou a Marrocos – não vou outra vez até Marrocos – aliciado pelo ritual de passar o tempo a fazer pingue-pongue entre as esplanadas dos cafés e o quarto do hotel. Há muito que me cansei de fazer de barata-tonta, e ainda mais tonta por ter alimentado durante um número imperdoável de anos e uns quantos títulos, a mania de me sentir impelido a comunicar, digamos, o que acabava de descobrir sentado na esplanada de um café com o chá irremediavelmente frio e amargo. Não, desta vez vou unicamente decidido a encontrar a aldeia de Jajouka e, só depois, irei para Asilah ou Tânger com a vaga impressão de ter cumprido uma metáfora; uma fantasia.
(...) Apercebo-me agora de que esta sub-reptícia incompatibilidade com as esplanadas já se manifestou na última vez que fui a Tânger. Sorrateiramente, fui trocando o colar de cadeiras do Café de Paris pelas janelas do Tingis, no Petit Socco, onde o trânsito se reduz às mobilettes e petits-táxis que conseguem intrometer-se pelo labirinto das ruelas, para continuarem a desembocar numa espécie de pátio colectivo. Por outro lado, insistir em escrever sobre os espaços, os lugares, as pessoas, escrever sobre o que gostamos, creio ser uma forma de nos esgotarmos; reciprocamente, inevitavelmente.
Quem se dá ao trabalho de considerar e planificar meticulosamente uma possível ida até Jajouka, é natural que não dispense a máquina fotográfica e também não vejo inconveniente em juntar o velho portátil às duas mudas de roupa e meia-dúzia de livros. É sempre esta – voltará a ser esta – a frugal bagagem que transporto numa mochila maneirinha, para poder movimentar-me entre o casbah e as pensões e os hotéis onde pernoito. (...) continuo a desconhecer melhor maneira de entrar em Marrocos sem ser pelo porto de Tânger; ao fim da manhã e ao fim da tarde, sobretudo no Outono. Esta hipótese obriga-me a passar furtivamente por Asilah, onde conto ficar no regresso de Jajouka.
(...) entretenho os dias a abrir e a percorrer mapas (...) a comparar quilómetros e a decifrar as (para mim) incompreensíveis legendas das estradas, anónimas e sem trânsito, com Ricardo Piglia a segredar-me por cima do ombro: «A leitura, dizia Ezra Pound, é uma arte da réplica. Às vezes, os leitores vivem num mundo paralelo, e às vezes, imaginam que esse mundo entra na realidade. […] Um mapa é uma síntese da realidade, um espelho que nos guia na confusão da vida. É preciso saber ler nas entrelinhas para encontrar o caminho.»

Papiro do dia (283)



«No hay historia de la lengua literaria en la Argentina, de sus niveles y de sus transformaciones, sin una historia de la traducción. La práctica casi invisible, casi anónima de los traductores registra y cristaliza las normas del estilo literario. Todo traductor acata esas normas implícitas y al traducir reproduce los registros posibles del estilo literario dominantes en una época. La historia de la traducción como estilo social (si esa historia fuera posible) se superpondría con la historia de las concepciones y los valores que definen los usos literarios del lenguaje.
A la vez el traductor se instala en los bordes del lenguaje y parece siempre a punto de escribir en una tercera lengua, en una lengua inventada, artificial. En ese sentido la traducción es uno de los medios fundamentales de enriquecimiento y de transformación de la lengua literaria.»
[Ricardo Piglia, Formas breves; Anagrama, 2000]