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Não sei se os meus leitores o terão notado, mas é um facto que o tempo transporta sempre outro tempo, como suplemento. O tempo das repetições vivas da rádio trazia consigo outro: o tempo que passava. O palanquim levava o elefante. E transcorria deveras, lento e majestoso. Nele, a catástrofe revelava-se possibilidade de catástrofe, e ficava para trás. Dava-me a impressão de que já não haveria mais catástrofes na minha vida: eu teria vida, tal como toda a gente, e contemplaria as catástrofes da altura da existência do tempo… Os acontecimentos pareciam dar-me razão. Na escola a professora continuava a ignorar-me, e isso era bom. A mamã não voltou a levar-me à prisão. De saúde, bem. A simplicidade da minha vida não me angustiava. Havia uma certa paz em mim. Descobria que o tempo, o tempo extenso feito de dias e semanas e meses, já não de instantes horrendos, agia a meu favor. Que fosse o único que o fazia não me preocupava. Achava-o suficiente. Agarrei-me ao tempo; e por consequência à pedagogia, a única actividade humana que põe o tempo do nosso lado.»
[César Aira, Como Me Tornei Monja; trad. José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, Novembro 2005;
[César Aira, Como Me Tornei Monja; trad. José Agostinho Baptista, Assírio & Alvim, Novembro 2005;
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