15 de abril de 2012

«É bom trabalhar nas Obras» (112)

«Havia ainda o Ahmed, um rapaz argelino que tinha reprovado dois anos antes de cair no nosso grupo e que perseguia as minhas contemporâneas com atitude de palmípede num galinheiro.
Ambas admiravam fervorosamente o género masculino de quase todas as gerações, incluindo os professores e os pais das outras alunas. Entre os seus compêndios de leitura, costumavam intercalar revistas cor-de-rosa especializadas em raparigas da idade delas, que publicavam conselhos sobre como utilizar correctamente a maquilhagem e os acessórios para a roupa. A minha relação com elas era boa, embora não demasiado próxima. Às vezes, quando a aula se tornava extremamente aborrecida, ou notavam que tinha ficado nervosa com algum exercício deixado no quadro nas aulas de álgebra, faziam chegar uma dessas publicações até à minha carteira, de mão em mão. Recordo, em particular, um artigo notável que dissertava sobre a forma correcta de praticar o beijo com a língua, que em francês costumávamos chamar “aparafusar com a língua ou fazer linguado”. O autor aconselhava a praticar um tempo a sós com meia laranja espremida, para os lábios adquirirem a destreza e a sensibilidade necessárias. No entanto, na hora da verdade, não nos devíamos esquecer de esticar a língua suficientemente longe para encontrar a do outro, mas não demasiado para não o importunar. Nesse momento, começava a actividade giratória que, no beijo francês, parece constituir o cerne da questão. Nessa altura, era importante encontrar a sincronia para rodar com a língua do outro, à mesma velocidade, primeiro para um lado e depois para o outro. Lembro-me que, ao terminar o artigo, levantei a cabeça e olhei para a turma em conjunto, que fingia estar absorta no exercício. Olhei para os meus companheiros procurando averiguar quantos deles, e sobretudo quais, já tinham passado por semelhante situação. Devo dizer que se tivesse feito um inquérito, a maioria teria mentido quanto à sua situação: naquela idade, tornava-se vergonhoso confessar que não se tinha experiência. As palavras pucelle ou puceau, que se referem a um adolescente ainda por desvirginar, constituíam o pior insulto que alguém podia receber naquele colégio.»
[Guadalupe Nettel, O corpo em que nasci; em tradução para a Teodolito;
tenrinho]

2 comentários:

ana b. disse...

Estou desejosa de ler este livro!:)
Os excertos que tem colocado aqui aguçaram-me a curiosidade. A sério!

fallorca disse...

Não duvido. Também me surpreendeu, linha a linha :)