15 de setembro de 2012

Porque a Net fornece um (longo) novo dia



Ha uns anos, antes de me radicar no campo, tinha por habito passar os fins-de-semana em turismo rural.
Conheci belos locais por este nosso país fora. N'um deles, Aldeia de Chão da Velha, perto de Niza, conheci o ser mais rico e enigmático, até hoje. O seu nome, João Louro, tinha 91 anos e soube ha pouco tempo, por uma coincidência extraordinária, que já não vive. Este meu Amigo, João Louro era analfabeto, mas... lia.
Como é isso possível, perguntam-me todos, quando refiro esta particularidade.
Simples, o meu Amigo João Louro, já sabia de cor todas as palavras, desde que escritas em letra de imprensa. Parece impossível; no entanto confirmei esta raridade.
Muitos de nós, tal como o meu Amigo João Louro, "decoramos" a vida, e quando nos aparece uma situação nova, atrapalhamo-nos com ela, ficamos "às aranhas". Mas o meu Amigo João Louro, talvez porque possuia uma índole diferente, não se limitou a decorar as palavras, ou, as suas formas; ele decorou a vida também. Aqui, temos de distinguir o significado das palavras; decorar palavras significa memoriza-las e decorar a vida, significa ornamenta-la, dar-lhe brilho e cor.
Então o meu amigo João Louro, possuia também uma arquivo mental impressionante, relatava-me com precisão todos os trabalhos sasonais, no campo, recitava-me as estrofes que os de cá, cantavam ao desafio com os de lá, enquanto procediam às mondas, às ceifas, às malhas. Tocava concertina e animava os bailaricos nas redondezas e... nunca saíu do seu lugar. Mas... um dia surpreendeu-me. Conversávamos àcerca do uso de pesticidas e fertilizantes na agricultura e, depois de me ter aconselhado a escolher sempre fruta com bicho, quande fosse ao mercado (porque se tinha bicho, é porque não tinha veneno) relatou-me uma notícia que tinha visto num jornal de ciência, onde vinha explicada uma experiência feita na América, com uma certa espécie de pássaros. Como me mantive calado e concentrado no relato que o meu Amigo fazia, ele terá pensado que não estivesse a perceber a que se referia e então, levantando o braço, aponta para um lado e "dispara-me" com esta: na América, um país muito grande que fica nesta direcção!
Fiquei atordoado com a exegese geográfica do meu Amigo João Louro, que me obrigou a um exercício mental tridimensional, para me situar geográficamente e confirmar se realmente a América ficava naquela direcção.
Depois de confirmar e porque pensei que pudesse estar perante um caso de pura coincidência, atrevi-me: ò Sr. João, então e a Roménia, em que direcção fica?
Automáticamente, levantou o outro braço e apontou na direcção quase oposta. E a Noroega?
Piscou um bocadinho e sem tirar os olhos de mim, rodou o mesmo braço um quarto de círculo, apontando para Norte.
Óh cum caráxas!!!
Este homem não existe, pensei...

3 comentários:

Bartolomeu disse...

A Cristina Torrão chamou a minha atenção para este post. Fico surpreendido e em simultâneo satisfeito por esta publicação que representa mais uma justa homenagem não a um só Homem chamado João Louro, mas também a milhares de outros, espalhados pelo país, que de uma forma ou de outra representam a genuinidade deste nosso povo.
Obrigado, Fallorca!
;)

fallorca disse...

Eu é que lhe agradeço a partilha, Bartolomeu; um abraço

jorge esteves disse...

Por colagem ao Bartolomeu, da leitura mais estendida vim aqui 'ouvir' falar do Senhor João Louro. E não pude deixar de sorrir ao remate 'este homem não existe'. Quase desde menino que 'sei' que existem mesmo; é que me lembei de um companheiro de brincadeiras e escola que tinha um avô, o sôr 'Xandre, que tinha sido embarcadiço, e toda a gente dizia que era poeta, mas louco!...
Gostei de vir!
abraço.