20 de dezembro de 2010

Nem sempre a lápis (112)

A luz faltou às sete e um quarto da tarde. Confirmei as horas no telemóvel para ver quantos minutos terei perdido da página e meia do final da revisão de Contos Reunidos. Começou a falhar, a ter quebras bruscas, mais ao fim do dia; fartou-se de avisar que não estava a brincar aos presépios e fui gravando a atenção. Refeito da surpresa de me ver às escuras, levantei-me e fiz o que é hábito neste tipo de circunstâncias; abri a porta para confirmar que havia luz nas escadas, com ela verifiquei o quadro do contador, fui buscar uma cadeira para ver o do prédio, surpreendido com a luminosidade debaixo da porta do direito. No frente, ao meu lado, nem sinais de vida. Enquanto apertava os parafusos da tampa do contador do prédio e pegava na cadeira, com ar comprometido sem saber porquê, ouvi vozes a aproximarem-se pela escada; compreendi que a luz era só para alguns, mas o elevador não estava para ninguém. A trombose paralisou, deixou todo o lado esquerdo e frente do prédio tolhido. Subi à vizinha de cima – já tive a oportunidade de a ajudar a tirar uma peça íntima de cima da minha roupa – e confirmou-me que também estava às escuras; lembrei-me das cuecas. Como fico sem telefone quando falta a luz, numa nova incursão disse-me que já tinha telefonado para a EDP e só desta vez é que percebi que tem um cão; estão explicadas as recentes alterações na rotina dos barulhos, quando leio na cama. Deitei-me no silêncio da escuridão do quarto, interrompido por vozes que distribuíam informação a quem, como eu, as ouvia ofegantes atrás da porta. Imagino os capítulos que perdi até as vozes do décimo andar entrarem em casa com o último; cada uma a reeditá-los, revistos até ao esquecimento.

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