«Experimentei começar a escrever e vi que avançava com facilidade. Mas não por força do pensamento, da reflexão. A história avançava por sua livre iniciativa, fluindo como o sangue. Era isto. Finalmente acontecia. Cá vou eu, deixem-me passar, oh céus, como gosto disto, oh Deus como te amo, e a ti, Camilla, e a ti. Cá vou eu e isto é tão bom, tão doce e quente e suave, delicioso, delirante. Pelo rio acima até ao mar, isto és tu e isto sou eu, grandes palavras, pequenas palavras, palavras de toda a espécie, viva, viva, viva!
Qualquer coisa ofegante, frenética, infindável, qualquer coisa que seria grandiosa, que não se detinha, martelei as teclas durante horas, até que aos poucos desceu sobre mim fisicamente, dominou-me, entranhou-se-me nos ossos, encharcou-me, esgotou-me, cegou-me. Camilla! Camilla tinha de ser minha! Levantei-me, saí do hotel e desci Bunker Hill em direcção ao Columbia Buffet.
- Outra vez por cá?
Como uma película sobre os olhos, como uma teia de aranha que me cobrisse por inteiro.
- Porque não?»
[John Fante, Pergunta Ao Pó; trad. Rui Pires Cabral, Ahab, Porto, Outubro 2010;
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