«À estúpida pergunta sobre se vemos diferença entre fascismo e comunismo, podíamos dar esta resposta breve: o comunismo é uma utopia, o fascismo uma prática – o partido e o poder é quanto os reúne e faz do comunismo uma prática fascista.
Toda a Europa Ocidental escolheu uma estratégia de defesa, com os seus polícias colocados a Leste, os austríacos. Mas ninguém se preocupa em saber o que, fora o dinheiro, é verdadeiramente defendido (eventualmente, a cultura ocidental, que há muito não existe?), e as modalidades de defesa, mais precisamente os seus meios, causam mais estragos aos vestígios da democracia ocidental do que a defendem eficazmente. O terror claustrofóbico da Europa Ocidental dará origem a um novo Adolfo Hitler, à paranóia da superioridade dos inferiores. Os detentores do dinheiro e do poder vão autorizar, uma vez mais, o aviltamento completo da sociedade, só para salvar o que ainda pode ser salvo, e, por fim, só conseguirão sobreviver ao preço de um novo totalitarismo, de novas catástrofes sociais: mas que tipo de sobrevivência, que tipo de totalitarismo será? Quem nos pode afiançar que estas perigosas ideologias dispõem de um qualquer ideal, de qualquer coisa que não tenha sido ainda experimentada, que não tenha ainda fracassado? Recordo-me vagamente da noite (na circunstância, seca e doce) em Solothurn, o meu encontro fortuito com o escritor suíço Peter B.; levou-me a uma taverna maravilhosa situada numa praceta maravilhosa, e, neste enquadramento maravilhoso digno dos sete anões, torcendo um pouco a boca e os olhos aterrados por uma embriaguez ligeira, demonstrou-me que o fascismo iria em breve triunfar e instalar-se por toda a pare, mas que, desta vez, não viria da Alemanha… Falou assim, pelo menos, meia hora, profundamente amargo, e eu partilhei por inteiro a sua opinião. Fiquei com a impressão de que o mundo já se afundara na mentira, de que, agora, só esperava o golpe de misericórdia, cuja data, todavia, no último instante, sempre adiava, à custa de imensos subornos e de uma algaravia acompanhada por um gesticular insensato. Mas se, por uma vez, por uma só e única vez, já não pode pagar…»
[Imre Kertész, Um Outro – Crónica de uma metamorfose; trad. Ernesto Rodrigues, Editorial Presença, Junho 2009]
[Imre Kertész, Um Outro – Crónica de uma metamorfose; trad. Ernesto Rodrigues, Editorial Presença, Junho 2009]
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