«Viviam-se então tempos extraordinários num mundo extraordinário. Uma ideia a um tempo misteriosa e familiar, a que chamavam “socialismo”, lançara-se como uma frondosa planta trepadeira para dentro das cabeças e em torno do corpo de todos, mesmo dos mais velhos e experientes, de tal modo que tudo o que era poeta e escritor, tudo o que era novo e precipitado a agir e decidir se ocupava desta ideia. Os jornais desta tendência e persuasão brotavam da obscuridade dos espíritos empreendedores como flores cor de fogo e de perfume arrebatador para grande surpresa e gáudio da esfera pública. Os trabalhadores e os seus interesses causavam mais alarido do que propriamente uma preocupação séria. Eram organizadas várias manifestações, na linha da frente marchavam também as mulheres, brandindo alto no ar bandeiras cor de sangue ou negras. Quem estava descontente com a ordem e disposição do mundo juntava-se agora com esperança e satisfação ao apaixonado movimento intelectual e sentimental, e os resultados do espírito de aventura de uma certa espécie de gente que gritava, fazia barulho e tagarelava, por um lado exaltando com fanfarronice o movimento, por outro lado rebaixando-o a trivialidades quotidianas, eram notados pelos inimigos desta “ideia” com um sorriso prazenteiro de escárnio. Esta ideia, diziam então os espíritos jovens e verdes, ligava e unia o mundo inteiro, a Europa e os outros continentes, numa comunidade alegre dos homens, mas só quem trabalhava tinha direito, etc.
Josep e Klara também haviam sido apanhados por aquele fogo talvez nobre e belo, e na opinião dos dois não havia água nem calúnia alguma que o pudessem extinguir, antes se estenderia como um céu rosado sobre a esfera da Terra. Ambos amavam, como então era moda, a “humanidade”.»
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