«Era costume de George Abbot sair ao fim da tarde com um livro, normalmente francês, já que ele gostava, mesmo aqui onde não tinha nenhuma oportunidade de a praticar, de se exercitar no domínio daquela língua. O pequeno volume no bolso dele, com a sua capa onde o título estava suspenso de uns anjinhos, representava uma fuga à própria natureza dele e às humilhações e mesquinhas insuficiências da sua existência de mestre-escola, mas o que era mais importante é que, ao fazê-lo usar os talentos devidos, lhe mantinha acesa a esperança num futuro melhor.
Tinha vários retiros favoritos. Ali, com o livro em cima do joelho e as botas sobre o pó, sentava-se – sempre atento às formigas – entre o odor apimentado e o monótono fulgor de uma tarde tropical; mas a sua cabeça estaria num lugar inteiramente diferente (chamemos-lhe Paris), onde as palavras com que a alma dele bailava, sensibilité, coeur, paradis, o aliviavam do seu peso de urso e das suas botas coloniais, e a toda a volta, o mato, quando a palavra paysage o acendia, assumia cores novas mas familiares, e depois abria-se em avenidas, ao fundo das quais, entre as folhas que caíam, refulgia um templo com colunatas, onde as cruéis necessidades que o assaltavam se desvaneciam logo que ali penetrava em companhia de uma heroína, exigente mas ao mesmo tempo subtilmente condescendente, com os mais delicados punhos, e um delicioso e angélico lábio superior de quem tudo sabe, cujo nome era Úrsula, ou Vitorina.»
[David Malouf, Recordando a Babilónia; trad. Jorge Pereirinha Pires, Assírio & Alvim, 2009]
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