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O senhor perguntará, padre, o que é que a Rosalba me fez. Nada, o que se chama nada. Isso era o pior e o que me punha mais furiosa. Insisto, padre: foi sempre boa e carinhosa comigo. Mas abafou-me, arruinou-me a vida, só por existir, por ser tão bela, tão inteligente, tão rica, tão tudo.
Eu sei o que é estar no Inferno, padre. No entanto, não há sol que sempre duro e há mais marés do que marinheiros. Aquele encontro em Santa María deve ter sido em 1946. De maneira, que esperei um quarto de século. E finalmente hoje, padre, esta manhã vi-a na esquina de Madero com Palma. Primeiro, ao longe; depois, muito perto. Não pode imaginar, padre: aquele corpo maravilhoso, aquela cara, aquelas pernas, aqueles olhos, aquele cabelo, perderam-se para sempre num tonel de sebo, pregas, sinais, rugas, papadas, varizes, brancas, maquilhagem, pó-de-arroz, rímel, dentes falsos, pestanas postiças, lentes de fundo de garrafa.
Apressei-me a beijá-la e a abraçá-la. Tinha acabado o que nos separou. O antes, deixou de ter importância. Nunca mais seríamos, uma a feia e a outra, a bonita. Agora a Rosalba e eu somos iguais. Agora a velhice tornou-nos iguais.»
[José Emilio Pacheco, O princípio do prazer; em tradução para a colecção Ovelha Negra / Oficina do Livro;
3 comentários:
Pois é, ninguém escapa...
:)
Tão bom, tão verdade...mais que uma questão de beleza e perfeição, o poder a infiltrar-se na relação amorosa, a corroer...
~CC~
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