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Não é no terminal do Marquês, é na paragem das Amoreiras que colho os ingredientes para o cheiro dos livros; em andamento. Surgem ao virar da esquina, quando apanho o 24 de memória e transponho o arco para atravessar o jardim a pé, paredes-meias com o sortilégio da água a gotejar e a hospitalidade do casal Vieira Arpad; seda e óleo de linhaça, carvão e lodo. Não me lembro de ver nódoas de amoras pisadas no chão, como as havia na feira de Mortágua; só me ocorrem horas autistas partilhadas com os bichos-da-seda numa caixa de camisa do meu pai, forrada com folhas no regresso da escola. Foi numa vinda a casa para almoçar, que perdi o meu primeiro cão; esqueceram-se de fechar a porteira. Tão desprevenido como ele, o Mondego, desço ao Largo do Rato e o cheiro a alcatrão fresco atropela-me e asfixia-me, leva-me de rojo pelo tapete engomado pelos cilindros, até à Cister; outra vez. Escorrego para fora da lava e refugio-me no atelier da Inês Mateus. Passinho manso a aspirar as transversais à Rua da Imprensa Nacional; outros cheiros e outras cores, vindos de prédios sem história. Viro na sombra de uma delas, já com as copas das árvores de outros jardins à vista e são mais do que sabia. Toco a campainha de uma porta de madeira, baixa, rematada por dois andares e uma varanda a toda a largura do pequeno prédio de origem. Ao cimo daqueles lanços de escada estreita - de madeira com currículo, encadernado a cera e corrimão de jardim, de ferro pintado a verde - a incredulidade espera-me sobre a mesa, ao lado do computador. Uma prova de capa e um ramo de trinta e duas páginas, divididas para quarenta e oito com as emendas colhidas pelo caminho. Tenho-as à minha frente, em cima da mesa 114 da esplanada do Príncipe Real, onde há pouco mais de um mês nos sentámos a uma outra, sem percebermos em que camisa de onze varas me metia. Na sacola, junto com as provas domésticas impressas pela
miúda da boina, trouxe Agostinho da Silva (
As Aproximações, Guimarães Editores, composto e impresso em Abril de 1960). Enquanto espero por ela, para lhe pregar a partida e saber como vamos de música e de leitura, esparramo-me no cheiro dos livros trazido pela brisa, que antecede a hora de repousar na ausência do banco.
4 comentários:
Para breve? :)
Dentro de um mês e pouco no Porto?
Quem sabe... ;)
gostei imenso da leitura dos teus olhos sobre esse momento partilhado!
Ah, sua marota... Agora percebi quem és :)
(realmente, a foto só tem "duas semanas", fiufiu...)
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