20 de janeiro de 2013

Nem sempre a lápis (342)

até Jajouka
(2006)

2. Comecei a preparar esta vagabundice – soaria mais literário chamar-lhe desaparecimento, mas eu acho feio forçar a nota –, enquanto traduzia Doutor Pasavento. (...) Quando abri o Google a minha ideia resumia-se a confirmar a localização da aldeia do sudoeste do Rif, mas que já não faz parte do Pays Jebala. (...) Jajouka entrou para o imaginário de sucessivas e cada vez mais incansáveis gerações de papa-léguas, a partir do longínquo dia em que Brion Gysin teve a peregrina ideia de contar a Paul Bowles (ou terá sido o contrário?) a existência de uma tribo sufi, que, por sua vez, a transmitiu a William Burroughs. Como o exótico achado terá chegado ao conhecimento dos Rolling Stones já faz parte da lenda. Lenda que se tornaria ainda mais lendária com a morte de Brian Jones, e se manifesta irrequieta em relação à data da gravação do célebre disco The Master Musician of Jajouka, saltitando como um dervixe rodopiante entre o ano de 1968 e 1971, se também eu não estou em erro e a contribuir, involuntariamente, com mais uma data.
A primeira vez que ouvi Apocalypse across the sky foi em finais de Setembro de 1971, copiado para uma K7 que o Sony M 1001, curricularmente guardado aqui na gaveta, reproduziu até mastigar incontáveis cópias que acabariam por lhe derreter, irrecuperavelmente, as cabeças. Durante anos, pensei ou, se calhar, fui acabando por decidir que Jajouka era o nome do grupo musical, nunca me ocorrendo que pudesse ser o nome de uma aldeia, onde uma irmandade sufí viveria da catarse polifónica ministrada aos sábados de manhã aos doentes mentais. Ou melhor, aos possuídos das redondezas.
Hoje, a única cópia que tenho é um insípido CD, onde consta que esta gravação foi feita in situ, entre 8 e 10 de Novembro de 1991, gravada com um Akay A*DAM Digital de doze pistas. Um som muito distante, portanto, da que terá sido a gravação reveladora de Brion Gysin, em 1958, sendo admissível que a tenha feito com o Martel portátil que usava habitualmente, e também terá utilizado para «gravar cerca de metade dos temas» do disco Jilala. A outra metade desse disco – interpretado por «dervixes do Gharb, que então viviam nos arredores de Tânger» – foi gravada por Paul Bowles com um Uher, cabendo a produção a Ira Cohen que acabaria por editá-lo na sua Trance Records (NY, 1996).
Rebobinadas as memórias discográficas (...) o resto entrou necessária e forçosamente na lenda que a cada um mais lhe convém – a minha consiste em ir até Jajouka e, já agora, no Land-Rover – (...) tudo quanto sei à partida para Jajouka, é que ficará a cerca de vinte quilómetros depois de Ksar-el-Kebir, em direcção a Chefchaouen, seguindo a estrada secundária S 603, que deverei abandonar num imperceptível cruzamento em Tatoft, para percorrer a meia dúzia de quilómetros finais por caminhos de cabra, por caminhos de Land-Rover. (...) reservei o final de Maio a entediar-me com pesquisas furtivas no Google, onde o que mais aprecio são os diários, cadernos de viagem ou blogues de malta que já foi a Jajouka, ou foi a Marrocos, entre outros motivos, «depois de ler El Pan Desnudo» ou com o livro do malogrado Mohamed Choukri no bolso, por exemplo. (...) para muitos escritores a Patagónia é a metáfora do fim do mundo. E Jajouka, será a minha metáfora do fim do mundo? Não sei, mas sei que o Monte Alto é, com toda a certeza, a antecâmara de qualquer metáfora do meu suposto desaparecimento. Aliás, já não estou. No Monte Alto desejei, e julgo ter aprendido a sentir-me saudavelmente à parte, a viver definitiva e irremediavelmente longe do mundo.

1 comentário:

ZMB disse...

Nass El Ghiwane, muito bom gnawa. aprovado!