21 de outubro de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (45)

«Os dois tinham herdado do seu avô Bruno a desconfiança pelo campo e o gosto pelas máquinas e, pouco depois, começaram a trabalhar na sua empresa. O meu avô – disse Sofía – quando se retirou do caminho-de-ferro, foi representante de Massey Harrys e eles aumentaram a oficina nas traseiras da sua casa – na calle Mitra – e foi assim que tudo começou. Já te devem ter contado a cena do galinheiro do vizinho…
- Sim – disse Renzi –, soldavam a autogéneo à noite e as galinhas do vizinho olhavam a luz o tempo todo, deslumbradas, enlouquecidas e bêbedas, com os olhos como os dos papagaios, saltavam a cacarejar, alucinadas com a brancura da soldadura, como se um sol eléctrico tivesse surgido de noite…
- Drogadas – disse ela. – Cloc-cloc. As galinhas pedradas com o resplendor, e quando levantaram um taipal de chapa para isolar o brilho do autogéneo, as galinhas desesperavam e subiam a rede do galinheiro à procura dessa brancura, tinham síndroma de abstinência… Eu recordo-me de também ter visto, quando era pequena, essa luz nítida como um cristal. Íamos sempre à oficina. Vivíamos entre as máquinas, Ada e eu. Os meus irmãos fizeram-nos os brinquedos mais extraordinários que alguma rapariga alguma vez teve. Bonecas que andavam sozinhas, que dançavam, bonecas que pareciam vivas, com engrenagens e arames ligadas a um magnetofone, falavam na gíria de cá, as bonecas, faziam-no com pinta de coristas para enfurecer a minha mãe; uma vez, fizeram-me uma Mulher Maravilha que voava, dava voltas pelo pátio todo, como um pássaro, e eu segurava-a com um fio de pesca, fazia-a girar no ar, vermelha e branca, com as estrelas e as listas, tão bela, não conseguia respirar com a emoção. Nós adorávamos os meus irmãos, andávamos sempre atrás deles, começaram a levar-nos aos bailes (a minha irmã com o Lucio e eu com Luca), as duas com saltos e os lábios pintados, a fazer de conta que éramos as bailarinas da terra, com os seus namorados, íamos aos bailes das redondezas, aos clubes dos bairros, à pista preparada no campo da pelota, com as lampadazinhas às cores e a orquestra que tocava música tropical no estrado de madeira, até que a minha mãe interveio e acabou-se a farra, ou pelo menos, essa farra.»
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; em tradução para a Teorema;

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