15 de outubro de 2010

À mão de ler (95)

«O Sol de certa forma intitula a natureza. Eis de que forma.Durante a noite aproxima-se dela por baixo. Depois aparece no horizonte do texto, incorporando-se por instantes na sua primeira linha, da qual aliás logo se desliga. E há aí um momento sangrento.Erguendo-se pouco a pouco, atinge então no zénite a situação exacta de título, e tudo então fica justo, tudo se refere a ele segundo raios iguais em intensidade e em extensão.Mas a partir daí, ele declina pouco a pouco, em direcção ao ângulo inferior direito da página, e quando transpõe a última linha, para voltar a mergulhar na obscuridade e no silêncio, há um novo momento sangrento.Rapidamente então a sombra cresce pelo texto que em breve deixa de ser legível.»
[Francis Ponge, Alguns Poemas; selec., introd. e trad. Manuel Gusmão, Livros Cotovia, Lisboa 1996;

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