27 de outubro de 2010

À mão de ler (99)

«Existem entre nós, infelizmente, demasiadas pessoas que querem armar-se em professores. Será que no nosso povo, aliás com tanto valor noutras coisas, se observa uma mania de pretender pregar moral desnecessariamente? Se assim fosse, teríamos de deixar pender a cabeça até ao chão, numa total impotência perante tal peculiaridade, posto que, com essa pregação moral, prejudicial e injusta, podem causar-se muitos males e muitos, decerto, terão já sido provocados e muitas intrigas terão já sido urdidas. Cada povo, porém, tem a sua maneira própria de ser. Temos de nos conformar com isso e não há outro remédio. Se eu digo a alguém: “És um idiota!” é mais do que certo que ele, logo a seguir, vai fazer uma idiotice, mais certo do que dois e dois serem quatro. Poderei eu, por exemplo, amestrar um animal, se não vencer a minha convicção de que um animal não passa de um ser estúpido? Ora, o amestramento consiste exactamente em me esforçar com todo o empenho na formação desse animal estúpido e na minha própria formação. Sempre que alguém que se cultivou pretende trabalhar na formação de um ser inculto está, ao mesmo tempo, a contribuir para um aperfeiçoamento de si próprio.»
[Robert Walser, O Salteador; trad. Leopoldina Almeida, Relógio d’Água, Janeiro de 2003]

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