«Ontem, colhi uma vergastinha. Imaginem: um autor passeia-se numa paisagem dominical, colhe uma vergastinha, acha que faz uma belíssima figura com ela na mão, come uma sanduíche de presunto e, enquanto come a sanduíche de presunto, presume que a empregada de mesa – que, de tão maravilhosamente esbelta, parece mesmo uma vergastinha – é a pessoa certa para ele dirigir a pergunta: “A menina quer dar-me uma pancadinha na mão com a minha vergastinha?” Confusa, ela recua perante o interpelante. Nunca, até então, lhe tinham pedido uma coisa daquelas. Fui para a cidade e toquei com a minha vergasta num estudante. Havia mais estudantes num café, sentados à sua mesa redonda de tertúlia. Aquele em que eu tocara olhou para mim como se olhasse para uma alma do outro mundo e todos os outros estudantes olharam para mim da mesma maneira. Era como se, subitamente, tivessem percebido que nunca, até então, haviam compreendido muita, muita coisa em geral. O que estou eu para aqui a dizer! Seja como for, todos eles, por razões de boa educação, fingiram que estavam muito espantados e o herói do meu romance, ou aquele que ainda o há-de ser, levanta a toalha de mesa até tapar a boca e põe-se a pensar em qualquer coisa. Ele tinha o hábito de pensar sempre em qualquer coisa, de cismar, por assim dizer, conquanto ninguém lhe desse nada por isso. De um tio, que viveu sempre em Batávia, recebeu ele uma certa importância. (…) Graças a essa ajuda, ele pôde continuar de algum modo a viver a sua existência peculiar, e é com base nessa existência, não de todos os dias e, contudo, quotidiana, que eu estou aqui a escrever um livro discreto, a partir do qual não se pode aprender absolutamente nada. Há, de facto, pessoas que pretendem retirar dos livros pontos de referência para a sua vida. Lamento muito ter de dizer aos meus leitores que não é para esse género de pessoas muito respeitáveis que eu escrevo.»
21 de outubro de 2010
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