31 de outubro de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (46)

«Às vezes, tinha a sensação, nos seus sonhos, de que uma certa força supra-pessoal interferia activamente, de forma criativa e continha a direcção de um desígnio secreto e, por isso, tinha conseguido, nos últimos meses, construir os objectos do seu pensamento como realidades e não apenas como conceitos. Produzir directamente o que pensava e não pensar simples ideias, mas objectos reais.
Por exemplo, alguns dos objectos que tinha desenhado e construído nos últimos meses. Antes, não existia nada igual, não havia um modelo prévio, nada para copiar: era a produção precisa de objectos pensados que não existiam previamente. Diferença absoluta com o campo, onde tudo existe naturalmente, onde os produtos não são produtos, mas uma réplica natural de objectos anteriores que se reproduzem iguais, uma e outra vez. Um campo de trigo é um campo de trigo. Não há nada a fazer, excepto arar um pouco, rezar para que não chova ou para que chova, porque a terra ocupa-se de fazer o que é preciso. Com as vacas, é o mesmo: andam por aí, pastam, às vezes é preciso desparasitá-las, fazer-lhes um corte se estão engasgadas, tocá-las até aos currais. E é tudo. As máquinas, em contrapartida, eram instrumentos muito delicados; servem para realizar novos objectos inesperados, cada vez mais complexos. Pensava que, nos seus sonhos, podia encontrar as indicações necessárias para continuar com a empresa. Avançava às cegas, procurava a configuração de um plano preciso na série contínua dos seus materiais oníricos, como chamava aos sonhos o Mestre Suíço. Agradava-lhe a ideia de que eram materiais, quer dizer, que se pudesse trabalhar com eles, como quem trabalha a pedra ou o cromo.»
[Ricardo Piglia, Alvo Nocturno; em tradução para a Teorema;

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