Ontem, não conseguia ler, mas levantei-me e peguei num alicate e arranquei o dente que se recusou a deitá-lo ao mar da muralha de Asilah, em Junho. Era o último sobrevivente do maxilar superior; julgo aproximar-me, a passos largos, da fisionomia de Cesariny, de Cossery. Desdentado, mas não se julgue que faço a coisa por menos. Esta manhã, de casaco beckettiano e um pouco nervoso com a esplanada composta, fiz o teste do pequeno-almoço sem o trapezista a importunar a prótese (partida) e posso afirmar que correu bem; exceptuando um certo vazio no lado esquerdo da boca a exigir correcção ao sorriso. Curiosamente, o lado que arreganhava quando fumava cachimbo; expressão encerrada. As pequenas, qualquer coisa terão notado; já cortei o cabelo há dois dias e a torrada hoje, era maiúscula. Ainda admiti a hipótese do dente – um canino agressivo, primário, crepuscular – cair até a Nico ir a Amristar; não para levá-lo como amuleto e carregar de energias, mas para atirá-lo ao Ganges, aos contrafortes de Caxemira. Era a minha oportunidade, física, de participar na viagem. Lembrei-me e ainda disse, a sorrir; não se proporcionou, não me ocorreu o providencial alicate, não calhou. Espero muito mais que se lembre de me trazer uma Shiva, um palmo de altura chega, dentro da mochila cheia de especiarias vividas; os únicos condimentos que ainda a não temperaram. Vou-me surpreender se não se confirmar; mas quase apostava que vai chegar sem o fecho de encaixe, afivelado a uma pequena correia perfurada e inútil, que perdi e voltei a achar não sei quantas vezes, na praia. Teria sido muito mais prático travar o fecho com umas marteladas e contribuir para o bom relacionamento da correia com a fivela; falta de lembrança. Ou muito me engano ou tomei noção das ferramentas; do desenrasca, bricolage é muito doméstico e de fim-de-semana, fato de treino e pijama. Em todo o caso, como tenho de ir a Lisboa – aviar-me à Pó dos Livros, se conseguir sair de lá sem me assustar com Bibliotecas Cheias de Fantasmas –, aproveito o pretexto e compro um fecho de reserva, para sondar as lojas da Baixa, verificar se o cheiro confirma o nome da rua dos Correeiros, enquanto faço horas até ir ao Maxime – primeiro as damas, e então Damas de Espadas – encontrar-me com o Mário Zambujal. Já não nos vemos há uns vinte anos, seguramente; e, desta vez (aposto-os), poderemos falar de tudo menos de Pão Com Manteiga; a idade, o colesterol, não recomendam.
27 de outubro de 2010
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