30 de março de 2011

Nem sempre a lápis (146)

Um dia destes, ainda acabo detido pela incompreensão. «Sexagenário roubava pacotes de açúcar por onde passava», ridicularizaria, expedita, uma local da imprensa. Há cerca de três anos que não compro açúcar; abasteço-me descaradamente de pacotes, estejam eles à mão. Não porque seja forreta a esse extremo, mas porque me habituei a dosear o café a olho com uma colher (sempre aquela) e dois pacotes de açúcar para a altura na chávena ficar no ponto; sem entornar entre a cozinha e a mesa de trabalho. Com o tempo, achei prudente ter uma justificação a jeito para o caso de me sentir apanhado a servir de mais pacotes do que seria, do que será normal. «O grilo, sabe; tenho quebras de tensão (e é verdade) e gosto de andar sempre com um pacote de açúcar no bolso para beber com água». Não gosto nada, pura aldrabice; benefícios da idade. Se há coisas que detesto e roçam a fobia, é o contacto físico com o açúcar e o melaço em geral e a gordura em particular. Imagine-se a dificuldade em lidar com a popular fartura, em levá-la à boca mesmo com um guardanapo de papel. Há sempre um grão de açúcar que decide brincar à clépsidra, se estou de manga comprida. Por outro lado, pisar açúcar não tem nada a ver com pisar areia; arrepia-me só de pensar, verifico o soalho imaculado. Na esplanada onde me servem o pequeno-almoço, quando me dirijo ao balcão para lhes dar os bons-dias e beber um copo de água – deixei de o levar lá para fora, acusado de desperdiçar água; e é, era verdade –, dou logo a palmada em dois ou três pacotes. Entretanto, sento-me (de preferência) na minha mesa do lado esquerdo de quem entra e servem-me o galão com dois pacotes de açúcar; lá vai mais um, se, entretanto, não havia algum rejeitado pelos abstémios, pelos adictos da frutose. Quando retribuo a amabilidade (levanto a louça dos outros, mas marco o território com a lata e a onça de tabaco) e vou buscar o café, aproveito o bulício da hora do almoço e dou a palmada em quantos pacotes vierem à mão. Elas, já nem reparam; e eu, estranhamente, tenho vindo a sentir-me mais comedido. O dia de hoje só rendeu quatro pacotes; safra ridícula, para pretensões cleptómanas.

4 comentários:

Cristina Torrão disse...

Eu também :)

Embora só leve os que me deitam para a mesa, normalmente, não preciso nem de metade, chegam a dar 4 pacotes para um café, ou um chá!!! O pior é que, na Alemanha, às vezes, não há pacotes, há daqueles frascos de açúcar, com um canudo de dosear.

Mesmo assim, também não preciso de comprar açúcar ;)

fallorca disse...

São uns esbanjadores; e assim, contribuimos de maneira - determinada e inequívoca - para a elegância e a poupança :P

redonda disse...

Normalmente uso todos os pacotes que apanho, no café ou na meia de leite, mas tenho uma irmã que bebe sem açucar, e assim, pensando em todos que como ela, que não o usam, poderá repôr-se o equilibrio no universo.

fallorca disse...

Alto!, onde é que a sua irmã toma a meia de leite? eheh :)