28 de março de 2011

Papiro do dia (47)

«Só os jovens passam por momentos assim. Não quero dizer os novos demais; esses não conhecem, para falar verdade, momentos propriamente difíceis. É dado à adolescência o privilégio de viver antecipadamente os dias da sua vida na plena continuidade admirável de uma esperança ininterrupta e sem introspecções.
Deixamos fechado para trás das costas o portãozinho da infância… – e entramos num jardim encantado. As próprias sombras do jardim esplendem de promessa. A cada curva da vereda está uma nova sedução. E não é por se tratar de um país ainda por descobrir. Sabemos perfeitamente que toda a espécie humana tem corrido no leito desse caminho. Trata-se do encontro próprio de uma experiência universal, de que esperamos uma impressão rara ou íntima… – um pouco de nós mesmos.
Avança-se então, reconhecendo os marcos erguidos pelos que antes passaram por ali, avança-se excitado, divertido, acolhendo igualmente a boa sorte e a má – as pancadas e as carícias, como se costuma dizer –, o variegado destino comum que tantas possibilidades traz dentro de si para os que as saibam merecer ou, talvez, para aqueles a quem a fortuna sorri. E continua-se para diante. O tempo também continua para diante – até que avistamos, mergulhando mais fundo, uma linha de sombra que nos previne de que o país da adolescência terá igualmente que ser deixado para trás.»
[Joseph Conrad, A Linha de Sombra; trad, Maria Teresa Sá e Miguel Serras Pereira, Colecção Mil Folhas / jornal Público, 2003]

7 comentários:

Luda disse...

"esplendem"
que maravilha de palavra inventada

Luda disse...

ah bom!
tem comentários moderados
tinha vergonha de perguntar, que sou um bocado coca-bichinhos...
verbo esplandescer?
errr
fui cuscar, não vem no priberam

fallorca disse...

Hesitei a transcrever, mas respeitei. O que é um facto, é que me deparei páginas adiante da 1.ª parte do livro, com um requintado ramalhete de «gralhas».
Acontece a todos

fallorca disse...

«...tem comentários moderados...»
É verdade, em contrapartida o seu perfil é privé.

Luda disse...

Pois é. Privado!
Eu explico.
Conhece aqueles bichos de conta?
Aqueles que fazem uma bolinha se tocamos neles. Em casa de minha mãe apareciam debaixo de uma caixa numa espécie de de garagem que havia na cave. Chamo-lhes bicho-bolinha. Sou uma espécie de coisa assim em forma de bicho. Claro que também me deu a febre de fazer um armazém na net. Guardar as coisinhas que vou gostando, guardar as minhas palavras, que a gente fala, fala e ninguém nos liga e a gente vai desligando a voz como se tivessemos um potenciómetro. E a propósito deste texto que pôs aqui do Conrad que fala de sombras, há uma parte do coração das trevas onde o senhor que foi lá para dentro da floresta está uma altura empoleirado num sítio, invisível e estão dois cá em baixo a conspirar ou simplesmente a conversar, já não me lembro, lembro-me que ele os via e de quando se afastaram e as sombras deles os seguiam. Era de noite, havia a luz fria da lua e as sombras andavam coladas aos pés deles. Vistos de cima eram ponto e sombra. E não sei porquê lembro-me das sombras mais que dos homens, ele empoleirado a ver as sombras. São bonitas as sombras de dia na relva também, ficam às ondinhas. Pronto, fiquei com vontade de partilhar as sombras do coração das trevas consigo.
Leio o seu blog há "ene+1" dias. Põe textos pequeninos de livros que li ou vou ler ainda, não sei.
Pode não publicar isto?
Quando disse "tem comentários moderados" não era um reparo. Tinha a ver com escolher publicar ou não.
Em vez de publicar, ponha um sorriso ali em baixo, está bem?
Obrigada.
:)

Luda disse...

Também não era um reparo o "esplendem"
:)

fallorca disse...

Está reparado o que nunca foi reparação