18 de outubro de 2011

Papiro do dia (141)

«Caminho com a Olívia até ao carro dela, e depois compro um jornal e leio-o, algures, com uma chávena de café. Nunca me apetece ir para casa e adio isso o mais que posso. Em geral, vou a pé, desde a Manchester Square, onde fica situado o Instituto, pela Edgware Road fora, passando por todas aquelas horríveis lojas, cheias de cintas e de fardas de enfermeiras, de cassetes de vídeo e de comida indiana. Deixo para trás as lavandarias e os cabeleireiros baratos, com as suas luzes de néon, cor de malva, até chegar aos sítios elevados, mais salubres. Vou sempre a pé, seja qual for o tempo que faça. E, quando me vejo livre da minha inquietação e da minha tendência para meditar, entro no apartamento e lá fico. Há sempre qualquer coisa para comer e também tento escrever, em geral. Dessa forma consigo livrar-me do resto do dia.
Sinto resistência em mim própria, é claro. É perfeitamente natural. Sou bastante nova e sei que levo uma vida insípida. Há alturas em que parece um esforço físico só o facto de me sentar à minha secretária e puxar do bloco-notas. Por vezes, dou comigo a deixar escapar um suspiro, quando leio o que acabei de escrever. Tenho momentos em que o esforço de chegar a pena ao papel é tão grande que sinto literalmente uma dor de cabeça, como se tudo o que é mobília estivesse a ser posto numa nova posição, como se estivesse a ser alinhado, aprontado para a entrega num armazém. E, todavia, quando começo a escrever todo esse peso se desvanece, e sinto-me invadida por uma espécie de electricidade, não desagradável em si mesma, mas que leva, inevitavelmente, a uma inquietação maior.»
[Anita Brookner, Olhem Para Mim; trad. Paula Reis, Teorema 1988;
inquietação]

4 comentários:

lebredoarrozal disse...

ai este livro....

fallorca disse...

Deve ter a tua idade e parece que foi escrito agora.
Não percas, é o nº14 da Col. Estórias da Teorema

lebredoarrozal disse...

eu tenho-o. é lindo (tem a minha idade? nãã)

F disse...

É lindo, sim. Mas muito triste.
Foi escrito em 1983. Acabei de o ler!