3 de setembro de 2010

À mão de ler (77)

  «Abri a janela e olhei para fora. Donde me encontrava tinha vista sobre um estendal de roupa e um campo aberto. Ao longe viam-se ainda as ruínas de uma oficina de ferreiro que ardera, onde alguns trabalhadores andavam em limpezas. Apoiei os cotovelos no parapeito da janela e perscrutei o ar. Tinha aspecto de vir a ser um dia bonito; chegara o Outono, a bela e fresca estação do ano em que tudo muda de cor e perece. Nas ruas já tinha começado o rumor, o que me convidava a sair. Este quarto vazio, cujo soalho abanava a cada um dos meus passos, era como um horrível caixão cheio de gretas. Não havia um fecho em condições na porta nem um fogão de sala. De noite, costumava deitar-me em cima das meias para que elas secassem um pouco até de manhã. O único divertimento que tinha era uma pequena cadeira de baloiço vermelha, onde me sentava a dormitar ao serão, pensando em tudo e mais alguma coisa. Quando o vento soprava forte e as portas no andar de baixo estavam abertas, uma quantidade de sons estranhos e sibilantes penetrava através do soalho e subia pelas paredes, de maneira que os Morgenbladet, junto da porta, apareciam com rasgões compridos do tamanho de uma mão.»
[Knut Hamsun, Fome; trad. de Liliete Martins, Cavalo de Ferro, Outubro 2008;

Sem comentários: