9 de setembro de 2010

À mão de ler (80)

«Voltei a contar os meus recursos: um meio canivete, um porta-chaves, mas nem um cêntimo. Subitamente, meti a mão na algibeira e puxei pelos papéis outra vez. O movimento foi completamente mecânico, um tique nervoso inconsciente. Procurei uma folha em branco e - sabe Deus de onde me viera esta ideia - fiz da folha um cartucho em cone, fechei-o com cautela, para que parecesse estar cheio e atirei-o para as pedras da calçada, bem longe donde me encontrava. O vento empurrou-o ainda para mais longe e lá ficou.
A fome começava agora a apertar. Sentado, olhava para o cartucho branco, que parecia inchado de moedas de prata brilhante, e entusiasmei-me ao acreditar que, de facto, continha algo. Em voz bastante alta, tratei de desafiar-me a adivinhar o montante - se acertasse no meu prognóstico, ficaria com a importância! Imaginei as pequenas e finas moedas de dez cêntimos no fundo e as coroas espessas e estriadas, por cima - um cartucho inteiro, cheiinho de dinheiro! Continuava sentado, a olhar para ele com os olhos arregalados e instiguei-me a mim próprio a ir roubá-lo.»
[Knut Hamsun, Fome; trad. Liliete Martins, Cavalo de Ferro, 2008;

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