27 de setembro de 2010

À mão de ler (89)


«Nessa época havia num desfiladeiro da montanha uma casa de pasto chamada Taberna da Mosca Verde. Tinha a forma duma caixa, mais alta na frente e com o telhado de zinco inclinado para trás, e fora construída sobre uma ladeira a pique, apoiada numa armação de postes, a porta principal dando directamente para a estrada. Um dos cantos estava preso a um pinheiro que se erguia como uma torre das profundezas da ravina - ravina esta que nas noites ventosas funcionava como um tubo de órgão, conduzindo através do desfiladeiro as lufadas de vento que subiam do vale. Nessas noites, o soalho da taberna valsava, embriagado, sob os pés dos fregueses, ondulava, vergava-se com gemidos dolentes. Por vezes, todo o edifício se precipitava, enlouquecido, para um dos lados, como que prestes a mergulhar no vazio. Os fregueses suspendiam os gestos, o líquido a dançar-lhes nos copos, a estrutura sofria um abalo violento, uma vassoura caía, depois uma garrafa, e por fim a taberna endireitava-se lentamente e readquiria uma vez mais o seu normal equilíbrio cambaleante. Os fregueses levavam os copos à boca, as conversas retomavam o seu curso. Comentários alusivos às excentricidades da taberna eram emitidos apenas fora do edifíco. Para os freguentadores, a taberna era um ser vivo, tal como um velho navio aos olhos da respectiva tripulação, e nela se gerava uma atmosfera de que poucas embarcações se podiam gabar, uma solidariedade devida em grande parte à sua própria instabilidade. A oscilação, os pequenos gritos incessantes da madeira torturada criavam uma ilusão totalmente náutica, de tal forma que após um repelão mais violento os presentes quase esperavam ver um piloto barbudo saltar através de uma escotilha no tecto para comunicar que o cordame nada sofrera.»
[Cormac McCarthy, O Guarda do Pomar; trad. Paulo Faria, Relógio d'Água, 1996;

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