15 de setembro de 2010

Nem sempre a lápis (81)

  Nunca gostei de paredes esmurradas; cor hipnótica ou paredes velhas, legíveis. Também nunca me senti impelido a escrever nem a pintar na parede, daí o assombro que conservo por ver uma camioneta de carreira, e não um autocarro, desenhada a lápis na cal do antigo hospital, visível entre os escombros do incêndio, onde pereceu o artista sem-abrigo. O Bruces, corruptela do nome do legionário francês exilado em Mortágua, como mestre de palavrões, às escondidas consentidas dos pais. É possível que esta (entre outras) paranóia, fobia, a tenha herdado da senhora minha mãe; honra-me a possibilidade de estar «escrita» nas paredes do destino. Conhecedor da necessidade de conviver com as duas paredes, sobreponho-as, penduro quadros, camisas; esqueço a inutilidade do prego na parede de cor plana, reconforta-me o carácter provisório. É curioso que a camisa que ali pendurei seja a mesma que comprei na feira de Pataias, animado pela ideia de a utilizar em Marrocos, à boleia, quando fiz cinquenta anos. Acabei por nunca a levar nem fazer Marrocos à boleia, recorrendo a ela para fazer a capa de um livro, à boleia na então chamada «casa de Armação». Gosto de vê-la regressada à casa donde saiu, para pendurá-la no prego que encontrámos; itinerância.

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