21 de setembro de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (38)

«Abandonou a literatura de qualidade e procurou fórmulas que lhe permitissem ganhar dinheiro. E foi assim que lhe ocorreu inserir publicidade nos livros. Mas não na capa, embora também; nem na contracapa, embora também; nem nas badanas, embora também; mas nos livros, dentro do texto, inserida na trama, ou a separar os capítulos.
Exigiu que os autores não enviassem manuscritos, mas sim dossiers; e a partir de então atirava para o lixo todos os romances completos e examinava só aquelas pastas que incluíssem fotografia, curriculum vitae, e uma breve sinopse a dois espaços, o que lhe permitia a ela avaliar as possibilidades de incluir publicidade. Durante meses, continuaram a chegar-lhe aquelas melancólicas naturezas-mortas sobre a guerra civil, a pré-guerra civil ou o pós-guerra civil, que os nascidos nos anos quarenta e cinquenta se empenhavam em recriar, vezes sem conta, em narrativas que confundiam a seriedade com o tédio, a parvoíce com a sensibilidade, e que incluíam personagens que se chamavam Inés ou Alfonso, e complementos circunstanciais do tipo «com a lenta parcimónia do verdugo». Podiam ter toda a autenticidade que quisessem e a contundência do que foi insuflado com o sopro divino da verdade, mas não deixavam nem um resquício para a publicidade. Também já não lhe interessavam os romances carrossel, a especialidade do seu marido, aquelas páginas reflexivas, falsamente reflexivas, que não chegavam a lado nenhum, que davam voltas e mais voltas para deleite do leitor a um episódio mais ou menos trivial, mais ou menos original, até que paravam no mesmo ponto de onde tinham partido, sem uma maldita pausa para a informação comercial.»
[Antonio Orejudo, Vantagens Em Viajar de Comboio; em revisão para a Minotauro;
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