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Creio que é isso que eu censuro aos livros em geral: o facto de não serem livres. Vemo-los através da escrita: são fabricados, são organizados, regulamentados, poderíamos dizer, conformes. Uma função de revisão que o escritor tem muitas vezes em relação a si próprio. O escritor, então, torna-se no seu próprio chui. Quero dizer com isso a procura da boa forma, quer dizer, da forma mais corrente, mais clara e mais inofensiva. Há ainda gerações de mortos que fazem livros pudibundos. Mesmo os jovens: livros encantadores, sem qualquer prolongamento, sem noite. Sem silêncio. Por outras palavras: ser verdadeiro autor. Livros diurnos, de passatempo, de viagem. Mas não livros que se incrustem no pensamento e que digam o luto negro de todas as vidas, o lugar-comum de todos os passatempos.
O outro trabalho, para os escritores, é aquele que por vezes envergonha, aquele que provoca, a maior parte do tempo, o mais violento remorso de natureza política. Sei que permanecemos inconsoláveis. E que nos tornamos maus como os cães da sua polícia.
O alívio dá-se quando a noite começa a instalar-se. Quando o trabalho cessa lá fora. Resta o luxo que temos, nós, de podermos escrever de noite. Nós podemos escrever a qualquer hora. Não somos sancionados por ordens, horários, chefes, armas, multas, insultos, chuis, chefes e mais chefes. E das galinhas-chocas dos fascismo de amanhã.»
[Marguerite Duras, escrever; trad. Vanda Anastácio, Difel, Outubro 2001;
4 comentários:
Este livro trouxe-o da biblio uma vez e esqueci-me dele no autocarro, tive de comprar para o devolver à biblio. Lembro-me bem da mosca, aliás essa passagem da mosca foi comentada pelo Vila-matas.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69837.shtml
Tens aí a data de 2001, mas eu perdi o livro em inícios de 90 :P
manuel, mas o texto é o mesmo, espero :)
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