2 de novembro de 2011

Nem sempre a lápis (223)

Fui à Pó dos Livros responder a duas sms: Moloch, acompanhado pelo incansável O Sorriso aos Pés da Escada, e A Cidade das Palavras. Não é o Manguel por que esperava, mas poupou-se o pedido. Como vim do Algarve de autocarro, a levar com signos e um filme no canal EVA TV, escolhi um lugar na fila a toda a largura da traseira, em cima do motor; posso dizer que fiz a viagem, e não o percurso Carnaxide / Lisboa, de camioneta de carreira. Esperei pela primeira leitora de A mulher descalça numa esplanada frente à entrada da Culturgest, para lhe entregar o exemplar n.º 02/80. Embora, como as crianças e os maridos, o autor seja sempre o último a saber, ofereço-me o primeiro exemplar e reservo o 80/80 para o arquivo da auto-edição; entrei nessa. Foi aqui, no Bairro do Arco do Cego e Rua Gomes da Silva, que a Nico e eu soubemos que estava grávida; há trinta e cinco anos. Disse-nos uma tirinha de papel que nos pôs a sopa de feijão na tasca do senhor Manuel, ao lado das bombas de gasolina, e que esquecesse o cachimbo durante os próximos sete ou oito meses. Na esquina com a Barbosa du Bocage, vivia António Ramos Rosa que, sem a ironia do vate setubalense, nos ofereceu livros e desenhos a murmurar, «Tão novos, tão novos», como se levasse as mãos à cabeça. Olho para a Culturgest, com a naturalidade de quem ainda não pôs os pés onde o João Alface caiu redondo, e recordo que quando o edifício começou a sobrepor-se ao espaço da cerâmica abandonada, levantou-se um coro horrorizado com a dimensão do mastodonte; chamavam-lhe os míopes inquilinos do Portugal dos Pequenitos. Vinham com a garganta afinada nas aulas de canto coral que se opuseram ao CCB e a retina inflamada pelo passe de magia com que Salazar hipnotizou os néscios: «Portugal não é um país pequeno.» Pois não, é um armazém de maquetas. Repare-se na Batalha e nos Jerónimos e na Torre de Belém; abram os olhos para os que não couberam, como o conto de fadas das Amoreiras, escondido pelas bruxas más.

4 comentários:

fallorca disse...

;)

Luís França disse...

À falta dos livros, veja-se http://livrosfenda.blogspot.com/2010/12/alface-o-fim-das-bichas.html e http://livrosfenda.blogspot.com/2010/12/alface-ca-vai-lisboa.html
Posso utilizar a fotografia deste post no blog sobre a fenda? Nunca tinha visto o Um Casal Porreiro e começava mesmo a duvidar da sua existência.
Um abraço

fallorca disse...

Luís França,
encontrei a foto na Net, sem autoria visível. Pareceu-me uma homenagem mais justa - mostrar parte da obra do João - do que uma fácil e banal imagem do autor.
Quanto ao livro mencionado, existe mesmo.
Abraço

Luís França disse...

Obrigado.
A foto que queria divulgar não era a do autor, mas sim a foto com quatro livros do Alface, sendo um deles o Um Casal Porreiro. Confesso que também sou avesso a divulgar fotos de autores. Soa-me a revista do social e dá-me logo uma náusea.
O meu interesse neste blog é divulgar o trabalho literário e gráfico da fenda.
Já agora, o texto de um Casal Porreiro é original? Ou é a reunião de Um Pai Porreiro... e de Uma Mãe Porreira...?
Abraço