4 de novembro de 2011

Papiro do dia (144)

«E não escrevi durante muitas noites, a seguir. Com a minha nova segurança, principiei a ver a escrita a uma luz totalmente diferente. Comecei a odiar aquela excitação química interior que me obrigava a compor as palavras na cabeça, enquanto me aprontava para as passar ao papel; senti uma revolta contra o longo isolamento que a escrita impõe, o enclausuramento, a sensação de exclusão; experimentei um arrepio de repulsa pela vida alternativa que se supõe que a escrita representa. Foi então que vi o ofício de escrever como aquilo que era, e é, verdadeiramente, para mim. É a penitência que se faz pelo facto de não se ser feliz. É uma tentativa para alcançar os outros e fazer com que nos amem. É o protesto instintivo, quando se descobre que se não tem voz nos tribunais do mundo, e que ninguém falará por nós. Eu daria toda a minha produção de palavras, passada, presente e futura, em troca de um acesso mais fácil ao mundo, da permissão de dizer: “Eu magoo”, “Eu odeio” ou “Eu quero”. Ou “Olhem para mim”, deveras. E isto nunca o desmentirei. Porque, uma vez conhecida, uma coisa não pode nunca mais ser desconhecida. Apenas poderá ser esquecida. E escrever é o inimigo do esquecimento, da irreflexão. Para o escritor não há qualquer ouvido. Somente a infindável recordação.»
[Anita Brookner, Olhem Para Mim; trad. Paula Reis, Teorema 1988;

3 comentários:

F disse...

Lindo.
Por que raio não me tinha ainda cruzado com esta rainha dos lonely hearts?

fallorca disse...

Acontece, e veio acompanhada de música a condizer, ao que parece :)

F disse...

"Porque, uma vez conhecida, uma coisa não pode nunca mais ser desconhecida. Apenas poderá ser esquecida."

Uma frase que ela repete ao longo do livro. Li-o em menos de três dias.