Sonhava como uma mulher que consumiu toda a sua juventude, toda a sua beleza na província e se lamenta de nunca ter pecado, nunca ter traído o marido, a casa, os filhos, de se ter deixado envelhecer na família, imaginando agora um futuro licencioso e desenfreado, cheio de excessivas orgias. Era preciso, antes de tudo, que o nomeassem comendador. Todos os funcionários do arquivo, de manhã à tarde, o cumprimentariam desse modo: “comendador”, em vez do pouco respeitoso “cavaleiro”. O governador perguntaria por ele aos porteiros com outro tom de voz: “Chama o comendador Mazzone, o comendador Mazzone, percebeste?” E, gritando do fundo dos corredores e do vão da escada, o seu nome seria ouvido por todas as repartições, até pelos da Polícia, e os pálidos ou os gordos colegas aguçariam o ouvido, roídos lá por dentro por um subtil caruncho de inveja.
Momentaneamente, satisfazia-o plenamente a concessão do título de comendador, a sua fantasia quase renunciava a ir mais longe e parava, saboreando longamente a voluptuosidade desta primeira ilusão.
Durante alguns dias gastava nela toda a meia hora de nirvana, mas, com o decorrer do tempo, a própria ilusão se libertava, o seu sonho aumentava e, no espaço de cinco, dez minutos, punha o cérebro num caos para despojar os superiores: o conselheiro de primeira, o inspector, o chefe do gabinete, o vice-governador, até que conseguia sentar-se à mesa de Sua Excelência, àquela enorme mesa de nogueira brilhante e entalhada, onde, de pé, tinha tremido mil vezes no esforço de se exprimir com precisão, de convencer com o olhar, de explicar com precisão, o coração apertado pela angustioso timidez que fomentava nele a presença daquele senhor situado oito degraus acima dele em ordenado e posição.»
[Elio Vittorini, Pequenos Burgueses; trad. Maria Manuela Gonçalves, Os Livros das Três Abelhas, Julho 1962;
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