3 de junho de 2013

Nem sempre a lápis (373)

Artesanato
(1966/70)
 
Vinha em junho – mês que minha mãe fora fonte do meu surgir – falar-te dos campos com a árvore atravessada na garganta.
Falava-te deles e tu chamava-los docemente laranjeira.

Junho no rio nos mirava, e era diferente de junho por ter o lodo na espinha.
O sobressalto estava nos trinta dias amarelos que percorríamos.
Na metade houvera meu surgir. Minha mãe fora fonte.

Trazido de longe chegava-nos às narinas o vermelho do sol que nascia, e a manhã apodrecia lentamente de esperança e cortiça.
Os refrescos não eram a paz de ninguém.
As línguas em junho eram o escorrer dos nossos lábios pelas esquinas.
A bandeira preta no mastro quebrado.

Junho vinha de longe, vinha cansado. Vinha perdido, junho.
Sentava-se no passe-partout com as fábricas lagosta e o lodo dos rios – o lodo.
Na chaminé havia a desgraça de um dia.
Os homens andavam de óculos escuros.
Os degraus das portas eram a morfina do nosso olhar, embora ainda me não soubesse míope.

Junhoráculo, oráculo de junho, filtro, calendário na preguiceira.
Os cordões umbilicais eram esta esperança para lavar em junho.
Aconteciam-nos outra vez os crimes –
em junho.
 
[in, Alcateia; Hugin, Setembro 1999]

1 comentário:

alexandra g. disse...

"trinta dias amarelos".

Há expressões com uma força incalculável :)