«O pôr-do-sol hasteava a sua bandeira rosada sobre o aeroporto, e o som das vagas perdia-se no perpétuo zunido dos aviões. Extasiava-me com os sinais luminosos que se moviam ao longo da pista e observava, até a escuridão ser completa, as luzes intermitentes, vermelhas e verdes, que subiam e vogavam no céu como estrelas cadentes. O aeroporto era a minha Meca, a minha Jerusalém. Toda a noite sonhava voar.
Foram os tempos dos meus sonhos em technicolor. A minha mãe metera na cabeça que eu precisava de dormir horas e horas a fio, de maneira que nunca estava realmente cansada quando ia para a cama. Era a melhor altura do dia, essa em que ficava deitada à vaga luz do crepúsculo, mergulhando a pouco e pouco no sono, compondo mentalmente os sonhos que viriam a seguir. Os meus sonhos de voo eram tão convincentes como as paisagens dos quadros de Dalí, tão reais que eu acordava em sobressalto, com uma sensação aflitiva de Ícaro caído do céu aos trambolhões, mas um Ícaro que tivesse conseguido, no último instante, agarrar-se à cama fofa.»
[Sylvia Plath, Zé Susto e a Bíblia dos Sonhos; trad. Ana Luísa Faria, Relógio d’Água 2013]
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