20 de agosto de 2010

«É bom trabalhar nas Obras» (33)

«A angústia transmitida por todo o vislumbre de demência, vai-o deixando perdido numa deriva estranha pelo perigoso bairro infantil que há nos limites da sua mente, ali onde sabe que, a qualquer momento, pode perder-se para sempre. Mas, no último segundo, consegue escapar do perigo mudando de pensamentos, recordando, por exemplo, que tem inteligência moral, embora às vezes lhe pareça muito pouco ter só isso e outras, muito. E escapa finalmente do perigo recordando também que no próximo mês irá a Dublin. E recordando uma frase de Monica Vitti, em Il deserto rosso, uma frase que, para dizer a verdade – apercebe-se agora – é quase tão perigosa como o pode ser para todo o mundo o East End mais delirante e mais obsessivamente particular:
- Os cabelos magoam-me.
Também ele agora poderia dizer o mesmo. Spider de certeza que o diria. Spider, que anda tão perdido pela vida, não sabe que poderia imitá-lo e reconstruir a sua personalidade adaptando as recordações de outras pessoas, poderia converter-se em John Vincent Moon, um herói de Borges, por exemplo, ou num aglomerado de citações literárias; poderia passar a ser um enclave mental, onde pudessem abrigar-se e conviver várias personalidades, e conseguir assim, talvez sem sequer demasiado esforço, configurar uma voz estritamente individual, suporte ambíguo de um perfil heterónimo e nómada…»
[Enrique Vila-Matas, Dublinesca; em tradução para a Teorema]

6 comentários:

fernando machado silva disse...

vá, toca mas é a despachar que já acabei o "diário" há tempos e só estar a ler às mijinhas já me chateia. (e os livros anteriores aos da assírio, vai traduzir?)

abraços

fallorca disse...

Talvez não fosse má ideia indo despachar-se a referir a autoria das traduções e algumas fotos postadas no seu blogue, ok?

fernando machado silva disse...

peço imensa desculpa por essa dis-traição. de ora avante porei sempre a devida informação (a sério). irei ter mais cuidado. mas já agora, gostei da sua tradução do "fantomas" do cortázar (só para aliviar a tensão).

fallorca disse...

Não vejo onde possa residir a «tensão», para além da indelicadeza dos termos do seu primeiro comentário.
Já agora, não interessa se gostou ou não da tradução, mas seria conveniente corrigir (se ainda o não fez) a sua lista de compras na feira do livro de Portimão: «Fantomas», de Cortázar, foi editado pela Teorema.

fernando machado silva disse...

uma vez mais as minhas sinceras desculpas pela indelicadeza, não foi essa a minha intenção. na minha cabeça brincava apenas. não volto a repetir graças.

noni disse...

Há um deserto vermelho na terra da minha infância que Antonioni nunca visitou.