Quanto ao solitário autista, não é inteiramente verdade; ao fim do dia, quando repito o pequeno-almoço ao lanche para despachar o jantar, a mesa de vizinhas tagarelas e o recanto da minha –, onde inventei a existência de uma minúscula cobra verde no tronco da floreira, que me dá um ar exótico e deu cabo dos nervos de uma empregada durante uma semana –, essa tertúlia e eu passámos a cumprimentar-nos depois do estardalhaço armado por um cão com um boneco no berço de um dos netos que vêm arejar. O animal estava tão irritado e ela tão distraída, que até mordeu à dona, e aí não me contive: Esta agora foi cómica; então estou com os nervos em franja e ainda por cima bates-me? É assim que se traumatizam. Rimo-nos. Cruzámo-nos mais de trinta anos a subir e a descer a praceta, cabisbaixos, cara ao lado quando não dava para apontar em frente; irritavam-me solenemente as conversas com que bombardeavam a minha ausência, me interrompiam o direito de estar a olhar para nada; obrigaram-me, várias vezes, a mudar de mesa e a levar com o vaivém dos skaters. Exceptuando uma barbie sexagenária com expressão de bulldog, mantemos uma longeva e recíproca antipatia, já peguei numa bebé ao colo, e pareceu-me ou foi mesmo verdade, que as ouvi acotovelarem-se e baixar o tom de voz, enquanto esvaziava os bolsos dos chinos e dispunha em cima da mesa – com minúcia milimétrica, rigor de instalação –, o moleskine carteira-shandy, o porta-moedas de prata em cima dele, o trambolho do telemóvel ao lado, a lata de enrolar cigarros e a onça de tabaco em cima dela, saído de casa com o lápis acabado de afiar.
11 de agosto de 2010
Nem sempre a lápis (69)
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4 comentários:
Pois no meu caso, que tinha os livros organizados por nacionalidades, tive que abandonar tal ideia. Agora estão organizados por tamanhos (!!!) assim consegui ganhar espaço para colocar um segundo e terceiro empilhamento.
Já desisti de «arrumar» livros, prefiro dar-lhes um jeito para os ter à mão; mas como alcatruzes de uma nora, nada da aridez da fixação.
Já há muito tempo que não via um porta-moedas de prata, fazem-me lembrar as cotas de malha da Idade Média... fiufiu...
Bem, também gostei da "barbie sexagenária com expressão de bulldog"...
K. Kiss, coisas de cota da 3.ª Idade (não confundir com III Reich)
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