30 de agosto de 2010

Nem sempre a lápis (75)

Quando for, imaginemos que vou a Mortágua, tentarei não me esquecer de ir à olaria comprar duas peças de que senti uma alegre necessidade de ter presentes: uma bilha de barro comum, cor de barro da Gandarada, para a encher de água e saciar esse sabor fresco e argiloso, primitivo; outra, com segredo. Uma peça feita de barro preto vendida como sendo de Molelos, atraiçoada pela elegância das linhas modeladas por gerações serranas que lhe ocultaram sempre a origem, atribuindo-lhe as mais desencontradas. Vou-me fartar de divertir e de pegar na esfregona para limpar o chão, a ver que tácticas, que abordagem farão à vista do impossível gargalo decorado com seteiras – não me ocorre melhor imagem, tratando-se do concelho de Tondela (ao tom d’ela, foram-se a eles) – e consegue beber água sem a entornar; saciando-me duplamente. Desta vez, se for a Mortágua, à «terra das águas mortas», pretendo compreender como foi possível ter lá vivido quatro meses sem sentir nostalgia de um passado demolidor, para que agora sinta nostalgia de um simples trago de água, bebido no chafariz com a concha da mão, bebido de uma bilha em casa do meu avô; sempre à sombra e dentro de um prato, luxuriante vaso de sede.