4 de novembro de 2010

À mão de ler (103)


«Quando em pensamento volto àqueles dias tão aparentemente vazios, em vão procuro um vestígio, uma visível picada daquele aguilhão que me mantinha tão singularmente desperto. Não se passava nada. Era uma tensão febril, a injunção de uma insensível e contudo perpétua advertência, como quando nos sentimos agarrados no campo de um óculo de aproximação – a imperceptível comichão entre os ombros que às vezes sentimos quando trabalhamos, sentados à mesa, de costas para uma porta aberta para os corredores de uma casa vazia. Eu recorria àqueles domingos vazios como a uma dimensão e a uma profundidade suplementar do ouvido, como quem procura ler o futuro nas bolas do mais transparente cristal. Eles revelavam-me um silêncio de velada de armas e de posto de escuta, um duro ouvido de pedra colado como uma ventosa ao rumor incerto e enganoso do mar.»
[Julien Gracq, A Costa das Sirtes; trad. Pedro Tamen, Vega ISBN-972-699-035-1;

5 comentários:

imo disse...

chegou-me por correio a semana passada. da mesma editora :)

fallorca disse...

Com esta capa, a original de Rogério Petinga, ou a «reciclada»?

imo disse...

Esta mesmo :)

Anónimo disse...

http://doarcodavelha.blogspot.com/search?q=Gracq

fallorca disse...

Primeiro as Senhoras, manuel... Topa bem a sorte (o «olho») da imo ;)