«Subiu do mar, contornou o cais, voltou descalça por sobre as pedras, sentou-se ao lado, ofegante ainda, escorrendo água, um cardume negro passou, rápido, muito perto da superfície, mil peixes, disse ela seguindo-os com os olhos, cem peixes, disse ele, cem peixes apenas, passou uma das mãos nos seus cabelos molhados, fez deslizar os dedos ao longo do seu rosto – as suas mãos mudando um rosto, uma mulher deitada, debaixo da luz forte das lâmpadas, um novo rosto surgindo, moldado, esculpido com a ponta do bisturi sobre a carne de argila, uma mulher acordando diferente, olhando no espelho a sua imagem, uma mulher água, vento folha, que não sabia da sua própria forma e a procurava através do homem – não quero entrar no teu mundo nem mudar o meu rosto, quero ficar como saí do mar agora, os meus cabelos verdes, os meus olhos conchas, o meu corpo alga, as minhas mãos gaivotas, e se não ma amares assim vai-te embora e deixa-me ficar, absurda e doida e conte de mim, deitada na rocha – sentou-se ao lado e levantou a cabeça para o sol: Eram mil peixes, disse. Contei-os um por um e eram mil.»
[Teolinda Gersão, O silêncio; Sextante, Setembro 2007]
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