«“Selvagem e bárbaro” certamente, escreveu P., mas não indigno. Na época em que Carrère [Joseph-Barthélemy-François] escreveu, os portugueses não eram ainda aquela massa de gente amorfa criada pelo fim trágico das revoluções, em meados do século XIX, esse engano sangrento que amarfanhou todo um povo e lhe quebrou a espinha, dando origem à humilhação e desencanto que foram confirmados depois pelo falhanço da República e pelo regime de medo difuso de Salazar, e finalmente pela ópera bufa do desmanche da revolução do 25 de Abril e da entrega do país à União Europeia.
Cada vez que saía de casa, o horror que era Portugal aparecia-lhe como um pesadelo de que não se consegue emergir, de que ele próprio não conseguiria de facto emergir, e como uma espécie de confirmação do destino. Dizia que vivera os mais destrutivos cinquenta anos do último século e meio da história do país e que, pelo acaso do nascimento, fora forçado a assistir ao desmantelamento do que restava do Portugal antigo e à sua substituição por um país não apenas moralmente corrupto, mas também o mais feio da Europa ocidental.»
[Paulo Varela Gomes, O Verão de 2012; Tinta-da-China, Janeiro 2013]
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