«– Foi assim – continuou o homem. – Eu sou uma pessoa que sente muitas coisas. Toda a vida, uma coisa depois da outra me impressionou. O luar. A perna de uma rapariga bonita. Uma coisa depois da outra. Mas o importante é que, depois de desfrutar uma coisa, havia uma sensação estranha, como se tivesse ficado solta dentro de mim. Nada parecia completar-se, ou encaixar-se nas outras coisas. As mulheres? Eu tive o meu número delas. E era o mesmo. Depois continuavam soltas dentro de mim. Eu era um homem que nunca tinha amado.
Fechou as pálpebras muito lentamente, e o gesto era como o descer de uma cortina no fim de uma cena de uma peça. Quando falou de novo a sua voz estava excitada e as palavras chegavam depressa, os lóbulos das orelhas grandes e afastadas pareciam tremer.
– E então encontrei esta mulher. Eu tinha cinquenta e um anos e ela sempre disse que tinha trinta. Encontrei-a num posto de gasolina e daí a três dias estávamos casados. E sabes como era? Não consigo dizer-te. Tudo o que eu sentira até então se juntava à volta desta mulher. Já não havia nada solto dentro de mim, tudo se completava com ela.
O homem parou subitamente e esfregou o seu longo nariz. A sua voz desceu para um tom estável e cheio de reprovação. – Não estou a explicar isto bem. O que aconteceu foi isto. Havia estes belos sentimentos e pequenos prazeres soltos dentro de mim. E esta mulher era como uma linha de montagem para a minha alma.»
[Carson McCullers, Contos Escolhidos; trad. Ana Teresa Pereira, Relógio d’Água, Agosto 2012]
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