31 de março de 2013
Às vezes, lá calha...
«Tossiu, com um som cavo que não teve eco. Embora lhe doesse a garganta, tossiu de novo, de propósito. Era a primeira vez que ouvia a sua própria voz desde que saíra de Prince Albert. Pensou: aqui, pelo menos, posso fazer o barulho que quiser.»
(J. M. Coetzee)
Nem sempre a lápis (357)
até Jajouka
(2006)
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E ai de nós se nos ríssemos de coisas sérias!
(...) Nesse tempo, o comboio ainda marcava o ritmo da vida de Mortágua de forma determinante. Havia uma automotora matinal, que a minha mãe utilizava para ir a Coimbra ao médico e às compras – partilhada pelos passageiros da camioneta de carreira que fazia a ligação entre o Caramulo e o comboio – e regressava no das Sete. (...) O ciclo diário de Mortágua encerrava com a passagem demorada do Correio, entre as dez e meia e as onze horas. Foi durante uma dessas tiragens que vim ao mundo – com uma certa relutância, frisaram-me sempre bem – no Verão de 1949.
(...) Nesse tempo, o comboio ainda marcava o ritmo da vida de Mortágua de forma determinante. Havia uma automotora matinal, que a minha mãe utilizava para ir a Coimbra ao médico e às compras – partilhada pelos passageiros da camioneta de carreira que fazia a ligação entre o Caramulo e o comboio – e regressava no das Sete. (...) O ciclo diário de Mortágua encerrava com a passagem demorada do Correio, entre as dez e meia e as onze horas. Foi durante uma dessas tiragens que vim ao mundo – com uma certa relutância, frisaram-me sempre bem – no Verão de 1949.
Papiro do dia (399)
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[J. M. Coetzee, A vida e o tempo de Michael K; trad. Ricardo Fernandes, Bibliotex Editor 2003]
30 de março de 2013
28 de março de 2013
26 de março de 2013
22 de março de 2013
21 de março de 2013
20 de março de 2013
Às vezes, lá calha...
«Ninguém aprecia cérebros. Cérebros são coisas muito feias. Algumas pessoas gostam deles fritos em manteiga, mas muito poucos americanos.»
(Ursula K. Le Guin)
Nem sempre a lápis (356)
até Jajouka
(2006)
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E contradigo-me não só não as incluindo, mas chegando à conclusão de que vou partir para outra e eliminar as notas que fui tomando ao longo da tradução e me espreitam no fim desta página, que desejo disponível e definitivamente em branco.
Papiro do dia (398)
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Nunca antes me tinha passado pela cabeça que a música e o raciocínio têm tanto em comum. De facto, pode dizer-se que a música é um outro modo de pensar, ou talvez pensar seja uma outra forma de música.»
[Ursula K. Le Guin, Tão longe de sítio nenhum; Fragmentos, Julho 1987;
dá-me música]17 de março de 2013
16 de março de 2013
15 de março de 2013
Às vezes, lá calha...
«Narrando o que me aconteceu, obrigo os meus pensamentos a ordenarem-se. E se tiver de morrer, eles darão conta da atrocidade da minha agonia.»
(Adolfo Bioy Casares)
Nem sempre a lápis (355)
até Jajouka
(2006)
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«É fatal como o destino. (...) Não adianta. Se começo a lembrar-me do jardim-escola, da escola, do colégio, da tropa, dos empregos, estraga-se logo tudo, e o melhor é deixar o cargueiro e a tripulação em paz, desligar o portátil e entreter-me a catar gralhas em Ultramarina.»
Papiro do dia (397)
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Narro circunstanciadamente o que me aconteceu: voltei-me e caminhei com os olhos baixos. Ao olhar a parede tive a sensação de me encontrar desorientado. Procurei o buraco que tinha aberto na parede. Não estava lá.
Ao narrar circunstanciadamente esta acção, repeti-a. Espero não repetir o seu final.
Os horrores do dia ficaram escritos no meu diário. Escrevi muito: parece-me inútil procurar inevitáveis analogias com os moribundos que fazem projectos de vastos futuros ou que vêem, no instante de afogar-se, uma minuciosa imagem da sua vida. O momento final deve ser agitado, confuso; estamos sempre tão longe que não podemos imaginar as sombras que vêm perturbá-lo. Agora deixarei de escrever para me dedicar, serenamente, a descobrir a forma de parar estes motores.»
[Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel; trad. Miguel Serras Pereira e Maria Teresa Sá, Antígona, Janeiro 2003;
powered by cicandélicos]
powered by cicandélicos]
13 de março de 2013
12 de março de 2013
Nem sempre a lápis (354)
até Jajouka
(2006)
Papiro do dia (396)
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Estar morto, eu! Como esta ideia me entusiasmava (vaidosamente, literariamente).
Recapitulei a minha vida. A infância, pouco estimulante, com as suas tardes no Passeio do Paraíso; os dias anteriores à minha detenção, como se me fossem estranhos; a minha grande fuga; os meses desde que me encontro na ilha. A morte tinha duas oportunidades para entrar na minha história.»
[Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel; trad. Miguel Serras Pereira e Maria Teresa Sá, Antígona, Janeiro 2003;
pela esquerda]
pela esquerda]
11 de março de 2013
9 de março de 2013
7 de março de 2013
Às vezes, lá calha...
«Se as marés transformaram os seus costumes, a vida nestas terras baixas tornar-se-á ainda mais precária. Mas cá me hei-de arranjar.»
(Adolfo Bioy Casares)
Nem sempre a lápis (353)
até Jajouka
(2006)
13. Tivesse eu pachorra para amamentar patologias e o ideal seria escrever este capítulo amanhã – chamemos-lhes capítulos – e corresponder-lhe o número 15. Como nunca tive pachorra para amamentar patologias, para estabelecer ligações entre o que se repele tão naturalmente como a água e o azeite, para pretender ler páginas em branco e detectar sinais, onde nada é tudo o que existe, divirto-me a escrever que tenho o azar deste capítulo ser o número 13 e de começá-lo na véspera de fazer cinquenta e sete anos, dia 15. (...) Qualquer coisa como o já demasiado citado Walser disse ao seu amigo e confidente Carl Seelig, embora noutro contexto: «Quando se vai a caminho dos sessenta, deve saber-se pensar noutra forma de vida.» Nada que os poetas sufís já não soubessem e não afirmassem aos ouvidos incrédulos dos cépticos, dos ambiciosos: «A liberdade é a ausência de escolha.»
Papiro do dia (395)
[Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel; trad. Miguel Serras Pereira e Maria Teresa Sá, Antígona, Janeiro 2003]
5 de março de 2013
Às vezes, lá calha...
«Não tinha qualquer ideia da hora, sabia apenas que passava da meia-noite e ainda não amanhecera. Pensava que já devia estar no Sul, mas faltavam muitas horas de viagem para chegar a casa.»
(Carson McCullers)
Nem sempre a lápis (352)
até Jajouka
(2006)
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A literatura (parece-me desnecessário recordá-lo) tresanda, está cheia de cadáveres, de suicidas, de loucos, que tiveram a infelicidade de a levar literalmente à letra, sem que uns e outros, a literatura e as suas vítimas, nada ganhassem ou empobrecessem com isso. Salvo os que caíram nas malhas das poderosas e sempre renováveis, sempre adaptáveis às inventadas necessidades dos sismógrafos do marketing.
Fico-me pelo Herberto: «A cultura fica longe, na demência. É tudo quanto tenho para dizer».
Papiro do dia (394)
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Chegara àquele lugar embriagado, em parte pelas goladas de aguardente que um homem no autocarro lhe oferecera, mas sobretudo pela expectativa que se apoderara dele nas últimas horas de viagem. E esse sentimento não era sem motivo. Três anos antes, quando tinha dezassete anos, o jovem saíra de casa num impulso violento, um viajante inexperiente que entrava com medo no desconhecido, certo de nunca voltar ao ponto de parida. E agora, depois de três anos, estava de regresso.
Sentado à mesa daquele restaurante de uma pequena cidade sem nome, Andrew sentia-se mais calmo. Mas enquanto estava sentado com a sua cerveja (de tal forma um estranho, que era como se estivesse magicamente suspenso da própria terra) a memória de todos os de casa passavam dentro dele – com a claridade das bobinas de um filme – por vezes precisa e com padrões bem definidos, e de novo numa desordem caótica.
E havia um pequeno episódio que voltava uma e outra vez à sua mente, embora antes daquela noite não o tivesse recordado durante anos. Era da altura em que ele e a irmã tinham feito um planador no pátio das traseiras, e talvez se lembrasse dele porque as coisas que sentira então se pareciam tanto com a expectativa que esta viagem trazia agora.»
[Carson McCullers, Contos Escolhidos [Fragmento sem título]; trad. Ana Teresa Pereira, Relógio d’Água, Agosto 2012;
serrenho monchiqueiro]
serrenho monchiqueiro]
2 de março de 2013
Às vezes, lá calha...
«O pequeno talento de uma única história… é a coisa mais traiçoeira que Deus pode dar. Trabalhar continuamente, esperando, acreditando, até a juventude desaparecer… vi isso acontecer muitas vezes. Um pequeno talento é a pior maldição de Deus.»
(Carson McCullers)
Nem sempre a lápis (351)
até Jajouka
(2006)
Para varejar a azeitona, a amêndoa, a alfarroba?
Quando lá volto, na ilusão de reencontrar a simplicidade do espectáculo, nunca o exotismo, apanho-me a ponderar esta dúvida, que gosto de conservar como legenda intocável de uma memória em desuso.
Papiro do dia (393)
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Lembrou-se de que não tinha dinheiro e deveria caminhar até casa. Ainda estava a nevar, e o vento assobiava nas esquinas das ruas e a temperatura aproximava-se de zero. Estava a muitos quarteirões de casa quando viu um drug store numa esquina familiar e pensou em café quente. Se pudesse beber um café bem quente, com as mãos à volta da chávena, então o seu cérebro ficaria mais claro e teria forças para se apressar a caminho de casa e enfrentar a mulher e a coisa que ia acontecer quando estivesse em casa. E então algo aconteceu que a princípio pareceu comum, mesmo natural. Um homem com um chapéu Homburg ia a passar por ele na rua deserta e quando estavam muito próximos Ken disse: – Olá, devem estar uns zero graus, não?
O homem hesitou um momento.
– Espere – continuou Ken. – Estou numa situação complicada. Perdi o meu dinheiro, não importa como, e pergunto a mim mesmo se me daria uma moeda para um café.
Depois de as palavras serem ditas, Ken compreendeu de repente que a situação não era comum e ele e o estranho trocaram o olhar de vergonha mútua, desconfiança, entre o pedinte e o indivíduo a quem pede. Ken ficou parado, com as mãos nos bolsos (perdera as luvas nalgum sítio), e o estranho deitou-lhe um último olhar, e depois acelerou o passo.
– Espere – chamou Ken. – Pensa que sou um ladrão… não sou! Sou um escritor… não um criminoso.
O estranho afastou-se rapidamente para o outro lado da rua, a pasta a bater-lhe nos joelhos. Ken chegou a casa depois da meia-noite.»
[Carson McCullers, Contos Escolhidos; trad. Ana Teresa Pereira, Relógio d’Água, Agosto 2012;
oremos]
oremos]
1 de março de 2013
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