«Ao fim de alguns momentos Ken começou a perguntar a si mesmo porque estava ali. Não conhecia ninguém na festa além do anfitrião e a pintura do lixo e dos sóis verdes irritava-o. No quarto cheio de estranhos não havia nenhuma voz para o guiar e o xerez era áspero na sua boca seca. Sem se despedir de ninguém, Ken deixou o quarto e desceu as escadas.
Lembrou-se de que não tinha dinheiro e deveria caminhar até casa. Ainda estava a nevar, e o vento assobiava nas esquinas das ruas e a temperatura aproximava-se de zero. Estava a muitos quarteirões de casa quando viu um drug store numa esquina familiar e pensou em café quente. Se pudesse beber um café bem quente, com as mãos à volta da chávena, então o seu cérebro ficaria mais claro e teria forças para se apressar a caminho de casa e enfrentar a mulher e a coisa que ia acontecer quando estivesse em casa. E então algo aconteceu que a princípio pareceu comum, mesmo natural. Um homem com um chapéu Homburg ia a passar por ele na rua deserta e quando estavam muito próximos Ken disse: – Olá, devem estar uns zero graus, não?
O homem hesitou um momento.
– Espere – continuou Ken. – Estou numa situação complicada. Perdi o meu dinheiro, não importa como, e pergunto a mim mesmo se me daria uma moeda para um café.
Depois de as palavras serem ditas, Ken compreendeu de repente que a situação não era comum e ele e o estranho trocaram o olhar de vergonha mútua, desconfiança, entre o pedinte e o indivíduo a quem pede. Ken ficou parado, com as mãos nos bolsos (perdera as luvas nalgum sítio), e o estranho deitou-lhe um último olhar, e depois acelerou o passo.
– Espere – chamou Ken. – Pensa que sou um ladrão… não sou! Sou um escritor… não um criminoso.
O estranho afastou-se rapidamente para o outro lado da rua, a pasta a bater-lhe nos joelhos. Ken chegou a casa depois da meia-noite.»
[Carson McCullers, Contos Escolhidos; trad. Ana Teresa Pereira, Relógio d’Água, Agosto 2012;
oremos]
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