«Compreendia agora que os romancistas nos proponham fantasmas que se lamentam. Os mortos continuam entre os vivos. Custa-lhes mudar de costumes, renunciar ao tabaco, ao prestígio de violadores de mulheres. A manipulação destas ideias provocava-me uma euforia crescente. Acumulei provas que demonstravam que a minha relação com os intrusos era uma relação entre seres de diferentes dimensões. Nesta ilha poderia ter sucedido uma catástrofe imperceptível para os seus mortos (eu e os animais que a habitavam); depois teriam chegado os intrusos.
Estar morto, eu! Como esta ideia me entusiasmava (vaidosamente, literariamente).
Recapitulei a minha vida. A infância, pouco estimulante, com as suas tardes no Passeio do Paraíso; os dias anteriores à minha detenção, como se me fossem estranhos; a minha grande fuga; os meses desde que me encontro na ilha. A morte tinha duas oportunidades para entrar na minha história.»
[Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel; trad. Miguel Serras Pereira e Maria Teresa Sá, Antígona, Janeiro 2003;
pela esquerda]
pela esquerda]
Sem comentários:
Enviar um comentário