«- Posso perguntar-te uma coisa? Preciso de esclarecer umas quantas coisas. – Tinhas deixado o calendário no seu lugar, levantavas o olhar mostrando-te impávido e em defesa dos teus interesses.
Ela deu-lhe as respostas com uma gentileza comercial, distante, de relações públicas. Nunca tinha conhecido nenhum gordo com bigode que se chamasse Orozco; na realidade, durante o tempo em que Carlos tinha vivido com ela, manteve-se afastado de certos assuntos. Jogava, sim, mas por conta dele e os seus desaparecimentos eram muito breves (assim mentia a relações públicas, deste modo subtil reformulava alguns parágrafos das suas memórias). Desde logo, nunca lhe teria deixado trazer para casa nenhum daqueles seres carregados de sujidade que nos observam com o queixo baixo só para calcular a tua coragem, o dinheiro que a tua frequência acabará por lhes levar às mesas de jogo; defesas que Silvia esgrimia com mais audácia do que astúcia e não tinham em conta as vidas paralelas de Carlos, aquela simultaneidade, porque não a tinha querido suportar ou não tinha sabido ou o que fosse… Sem parar de fumar, insistia que, como o próprio Ignacio podia confirmar, ela não era a testa de ferro de ninguém; o dono da discoteca era um respeitável advogado, um amigo seu desde sempre. Continuou a suspirar até que chegou a hora de olhar para o relógio. «Temos de continuar a ver-nos.» E os dois tinham a certeza de que aquela era a última vez; a vergonha obrigava-os a isso. Beijaste-lhe as faces apressadamente e olhaste-a querendo dizer-lhe (continuaste a falar com o seu espectro a subir as escadas, naquela praça tétrica, a caminho de tua casa, entre ruas idênticas): obrigado por não me contares o que pode ter sido, obrigado por continuares a ser uma puta de ti mesmo e deixares-me sozinho com o meu ridículo, com a minha desespero de fantoche burlado. Já muito perto de casa dela, meteu-te dó tanto dramatismo.»
[Francisco Casavella, Um Anão Espanhol Suicida-se em Las Vegas; em tradução para a Minotauro]
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