«Meti-o dentro do envelope, guardei-o na minha pasta e limpei o pó da secretária com o cuidado de um ladrão.
Poisei o livro no atril de uma mesa do meu gabinete e confesso que, durante algumas noites, olhei para ele com intrigada ansiedade. Talvez porque o aspirador de Alice não deixava uma grama de pó nas estantes mais altas da minha biblioteca, quanto mais na carpete ou em qualquer das mesas, o exemplar desequilibrava o quarto como um vagabundo numa festa do palácio imperial. A edição pertencia à Emecé, de Buenos Aires, e fora impressa em Novembro de 1946. Com algum trabalho pude averiguar que fazia parte da colecção «A Porta de Marfim», dirigida por Borges e Bioy Casares. Sob a cal ou o cimento ainda se podia entrever o desenho de um barco e daquilo que pareciam ser uns peixes, embora não tivesse a certeza.
Nos dias seguintes, Alice pôs uma flanela debaixo do atril para evitar que o pó sujasse o vidro e mudava-a de manhã com aquela muda discrição que, desde o seu primeiro dia de trabalho, tinha conquistado a minha inteira confiança.»
[Carlos María Domínguez, A Casa de Papel; trad. Henrique Tavares e Castro, ASA, (2.ª ed.) Maio 2010]
4 comentários:
enorme pequenino livro :)
Vem do tempo dos (enormes) «Pequenos Prazeres», lembra-se? :)
tenho alguns dessa colecção!
Eu sei, já vi em Marte :)
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