26 de janeiro de 2011

Nem sempre a lápis (126)

Talvez por ter trazido Anotações Sobre As Cores, vi O Livro Azul no blogue da Trama e reservei-o para ler lá em baixo; intercalar com a aprendizagem de Tavares e a revisão de Casavella. Cinco anos separam os dois exemplares das Edições 70; Dezembro de 1987, Fevereiro de 1992. O estabelecimento já tem cadeira, mas ainda não tem café nem um sofá. O espaço é pequeno para fazer sala; maior é a área da minha sala, vazia. Abstencionista, tudo leva a crer que elegi Wittgenstein como companheiro de viagem entre a minha casa e a da Nico. A Catarina respondeu que o livro era em segunda mão, tendo o cuidado de salientar que estava sublinhado; como e quanto, ainda estava para ver, por nove euros. Segunda mão, em princípio, significa múltiplas e (in)frutíferas leituras; sublinhar um livro com curriculum, já me parece mania, caso de polícia. Privei-me de ir a Lisboa e amanhã rumar a Sul como deve ser – descendo nas Amoreiras e pelo respectivo jardim –, porque entrei no autocarro com a última viagem do módulo fora de validade, mas actualizável no Marquês; em andamento, suburbano, até ao Rato. Entretanto, a cronista Lourdes Féria respondeu a uma sms a dizer que sim, que andava à solta pelo Chiado, já eu tinha a consulta literária confirmada no café habitual com a Salamandrine, a miúda da boina, para me entregar o resultado impresso do meu livro de actas do ano passado; O Cheiro dos Livros, tomo II. O Livro Azul na mão, mas não refeito de ver (ao tacto) o cuidado com que sublinharam treze linhas da página 59, a esferográfica e com uma régua. Imaginei-a de plástico, marcador mordido pelo uso; na precisão irregular, linha a linha. Desci até à Rua do Diário de Notícias sem me deter, ou deter-me a procurar onde ficava a do Norte, com a memória urbana perturbada pelo culto que se abateu sobre o comércio. Era mais ou menos a hora da transição entre o cão e o lobo; sereias a tentarem a atenção do menino com a perspectiva de um bolinho da avó, meu lindo, escamadas com as botas e os saltos e os ténis dos primeiros figurantes para a sessão de quinta à noite no bêá; não fazem matinés. E entrei na Tease; sentámo-nos à mesa da janela que foi montra, nos sofás em segunda mão, sublinho. Era minha intenção desafiar a cronista para uma meditação na pastelaria, para um ménage à trois social com a jornalista. Pagavam elas, claro, e eu levava a pedra de amolar para afiarmos a língua; mas não deu, o sublinhado murchou-me o dia. Em todo o caso, fiquei a saber que as presidenciais são (foram-se) no domingo. Sorri com a preocupação; a haver necessidade de referência de esquerda, para mim, é o Vitor Silva Tavares. Tudo o resto, são comícios, correntes humanas, vendedores de cobertores e de literatura, seitas. No lento regresso a casa, as ruas de Lisboa pareceram-me corredores de ortopedia; em mousse, em lycra, em couro, em vinyl, diagnosticadas a olhos vistos.
[cupcake]

3 comentários:

ZMB disse...

Quando ia ao bêá não era às vezes muito bem comportado nem tinha muitos valores morais ou éticos, estudava mas também lia a partir da biblioteca.
Um dia gostei de um livro e apeteceu-me sublinhá-lo, nem sequer me lembrei de transcrever as passagens.
A minha ideia era a de o comprar no futuro quando permitisse o dinheiro e o stock de livraria ou alfarrabista. A seguir, trocá-lo-ia pelo exemplar da biblioteca.
Não aconteceu porque nunca mais vi o exemplar nas estantes.

Olhando para trás é pura estupidez sublinhar um livro: só numa segunda leitura completa é que se encontra o pormenor que se quis guardar. Outras vezes fica-se fascinado pelo pormenor que alguém guardou.
Às vezes lá calha.

fallorca disse...

Se calha... será o livro que comprei o que você sublinhou? :)

ZMB disse...

não acredito.
o livro de que falo foi requisitado por 15 dias renováveis na biblioteca municipal de aveiro em 93, salvo erro de data.
eu cheguei a comprar o original mas, quando cheguei com ele às estantes da biblioteca, não estava lá aquele que tinha sublinhado e, por isso, não consguí fazer a troca.
A ideia até nem era muito maldosa visto que eu queria ficar com o exemplar sublinhado e na altura estava-me lixando se seria crime ou não mas como alguém escreveu:
"To understand the reasons doesn't put us on the right track of reason".