«Até um velho, analfabeto, com pouca força de braços, e incapaz de dizer uma única frase sensata, até um homem desses, um homem secundário, conseguia controlar aquele jardim, aquela outra máquina, aquela máquina verde.
Mas Frederich alertara desde cedo os filhos para o outro momento da natureza, o momento em que a natureza se torna guerreira – “só aí vale a pena tirar fotografias”, dizia. Nesses momentos – numa tempestade, por exemplo – em que as mudanças rápidas substituem a mudança lenta, vem à superfície a incompatibilidade moral, utilize-se esta palavra, entre o sistema dos homens e o sistema da natureza. No limite: o que era crime de um lado não era crime do outro.
E por isso, defendia Frederich, é que a natureza com que se convivia nos dias comuns, nos “dias fracos”, enganava.
E o engano era este: num dia de sol, pacífico, abria-se a janela e olhava-se para o que lá fora não fora feito pela inteligência do homem com a benevolência com que se olha para um conjunto de quadros dispostos nas paredes de um museu. O erro, precisamente, era ver a natureza semelhante a um museu que cresce. Museu cujas peças mudam de posição de modo quase imperceptível, parecendo fruto da timidez ou simplesmente da fraqueza desses elementos. Nos dias em que o que não era humano podia ser retalhado em pedaços, copiando a divisão de uma máquina nas suas partes, nesses dias, nos quais o homem poderia orgulhar-se de limpar os sapatos ao mundo que existira antes de si, a natureza era realmente um museu.»
1 comentário:
Sim, os seres humanos surpreendem-se, quando constatam que, afinal, não dominam a natureza... Acho que é por pensarem que a Terra foi feita à sua medida, que a Terra só existe porque já se previa a existência do Homo Sapiens.
O livro é genial, ainda não tinha lido nada do Gonçalo M. Tavares. Obrigada por me pores em contacto com o que é importante :)
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