«Todos os anos ofereço pelo menos cinquenta exemplares aos meus alunos, mas não consigo deixar de acrescentar uma nova estante, outra fila dupla; os livros avançam pela casa, silenciosos, inocentes. Não consigo detê-los.
Amiúde é mais difícil desfazermo-nos de um livro do que obtê-lo. Ligam-se a nós num pacto de necessidade e de esquecimento, como se fossem testemunhas de um momento das nossas vidas ao qual não regressaremos. Mas enquanto aí permanecerem, presumimos tê-los juntado. Vi que muita gente coloca a data, o dia, o mês e o ano da leitura; traçam um discreto calendário. Outros escrevem o seu nome na primeira página, antes de os emprestarem, anotam numa agenda o destinatário e acrescentam-lhe a data. Vi volumes carimbados como os das bibliotecas públicas ou com um delicado cartão do proprietário no seu interior. Ninguém quer extraviar um livro. Preferimos perder um anel, um relógio, o chapéu-de-chuva, do que o livro cujas páginas não mais leremos mas que conservam, na sonoridade do seu título, uma antiga e talvez perdida emoção.»
[Carlos María Domínguez, A Casa de Papel; trad. Henrique Tavares e Castro, ASA, (2.ª ed.) Maio 2010;
4 comentários:
Que livro maravilhoso. Li ali em baixo que é da colecção "pequenos prazeres". E eu que sou fã dessa colecção deixei escapar esse!
Tive o Prazer de traduzir dois títulos para a colecção: «A Tradução», Pablo de Santis e «Paisagens Originais», Olivier Rolin
Esta agora! Eu tenho e já li esse do Olivier Rolin, assim como o "O meu chapéu cinzento" na mesma colecção, mas ainda não coloquei no blogue. Bem lembrado ;-)
É dar-lhe ;)
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