6 de fevereiro de 2013

Nem sempre a lápis (345)

até Jajouka
(2006)
 
5. «Oh, pá, parecias-me tu, mas estava longe de te saber por cá. Então e que tal?» E, acto contínuo, instala-se a incomodidade de um silêncio devassado pela memória. Sorrimos. Timidamente, infantilmente, sorrimos, incapazes de assumir o que a memória nos devolve como um ferro em brasa, temperado pela forja incandescente do livro sobre a mesa. Até que um, e não necessariamente o mais corajoso, volta a perguntar: «Então e que tal?» Novo silêncio. Agora, ambos sabemos que não há mais nada a dizer – e ambos gostaríamos de falar de tanta coisa, sem recorrer à bengala cansada de estarmos mais velhos – que, o mais provável, é precisarmos de outros vinte e tal anos para nos voltar a ser concedida a alegria com que nos encontramos:
«Então e que tal?»
Às vezes, é quase insultante; é como se se empenhassem em continuar a recusar-me o direito de acompanhá-los, de envelhecer com eles.
Enquanto se afasta, retomo o livro sem mágoa, e John Berger tranquiliza-me: «Encontramos nos braços do outro uma forma de partir juntos, um meio de nos transportarmos para outro lado».

7 comentários:

Dilmar Gomes disse...

Passando para apreciar teu post. Aqui no Brasil, neste momento, ainda é dia 05 de fevereiro, mais precisamente 22 horas e 17 minutos.
Um abraço. Tenhas uma boa noite.

fallorca disse...

Igualmente, Dilmar. Vou dormindo o que a quimio consente

Anónimo disse...

Fascinante. Não sei que mais lhe diga. :)

Anónimo disse...

E não pude deixar de reparar, perdoe-me a indiscrição, "quimio"? :(

fallorca disse...

Sim, e depois?
Não tenho, nunca tive medo da morte; apenas da(s) doença(s)

Anónimo disse...

Cá para mim, se lhe rugir, ela foge :)

F disse...

My friend, welcome to the club!
Morrer não assusta. Doer assusta.

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