«Ele pensa calmamente: “Eu não deveria ter perdido o hábito de rezar.” Depois já não ouve os passos. Agora ouve unicamente os numerosos e intermináveis insectos, encostado à janela, respirando o cheiro quente e ricamente maculado da terra, pensando em como ele tinha amado a escuridão enquanto era jovem, um jovem que andava ou ficava sentado sozinho entre árvores, à noite. Depois o solo, as cascas das árvores, tornaram-se verdadeiros, selvagens, repletos, evocativos, estranhos e desgostosos meios prazeres e meios horrores. Tinha medo disso. Temia; amava tendo medo. Depois, um dia no seminário, descobriu que já não tinha medo. Era como se uma porta se tivesse fechado algures. Já não tinha medo da escuridão. Simplesmente a odiava; costumava fugir dela para a proximidade de paredes, para a luz artificial. “Pois é”, pensa ele, “eu nunca deveria ter perdido o hábito de rezar.” Afasta-se da janela. Uma das paredes do escritório está forrada de livros. Pára em frente a eles, procurando até encontrar aquele que procura. É de Tennyson. Está deformado por um uso abundante. Tem-no desde o tempo do seminário. Senta-se debaixo do candeeiro e abre-o. Não demora muito. Em breve a linguagem fina e galopante, o definhar desvitalizado repleto de árvores sem seiva e luxúrias desidratadas começa a pairar meloso, veloz e pacífico. É melhor do que rezar, sem se dar ao trabalho de pensar em voz alta. É como ela não tivesse estado à espera de fazer tanto barulho ao falar.»
[William Faulkner, Luz em Agosto; trad. Jorge Telles de Menezes, Bibliotex, 2003]
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