
«Eis o que é preciso fazer: partir para o campo, como um pintor de domingo, com uma grande folha de papel e um lápis. Escolher um sítio deserto, num vale encaixado entre as montanhas, sentar-se num rochedo e olhar durante muito tempo à sua volta. E depois, quando se olhou bem, pegar na folha de papel e desenhar com palavras o que se viu. Compreendem, é preciso inscrever a paisagem, peça por peça, sem esquecer nada; longamente, metodicamente, é preciso fazer a carta deste bocado de mundo, indicar o mínimo calhau, o mínimo tufo de erva, fazer o esquema das visões e dos odores, escrever tudo, desenhar tudo. Depois de se acabar, e vir a noite, pode-se regressar a casa. Na folha, ali, naquele rectângulo de papel de 21 x 27, garatujou-se uma parcela da terra. Fez-se o retrato de alguns quilómetros de luz, de ruídos e cheiros. Achataram-se como num postal, muito facilmente. E agora, pertencem-vos, esses quilómetros já não apodrecerão no esquecimento; ficarão martelados com pequenos sinais, na vossa cabeça até à eternidade. Ou, pelo menos, o tempo que viverem.»
[J.-M. G. Le Clézio, A febre; trad. Liberto Cruz, Ulisseia, Novembro 2008;
fuga]
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